Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

A Prateleira para o Dragão Fumeta.

Aconteceu novamente. Baltazar empolgou-se em meio aos anúncios dos classificados de desapego e em uma semana mais dois rádios antigos vieram habitar este pequeno lar. Tira coisa daqui e põe para lá, espreme de uma lado, espreme do outro e os novos integrantes da família encontraram lugar nas prateleiras. Contudo, pelo princípio da impenetrabilidade, o meu querido Dragão Fumeta ficou sem teto. Antes que você se pergunte, o Dragão Fumeta é um simpático queimador de incensos, no formato de um pequeno dragão que expele a fumaça pelas suas narinas, ou seja, a coisa mais fofa desse mundo.

A fim de evitar que o coitado fosse para dentro de algum armário entulhado e, consequentemente, esquecido, a solução foi criar uma prateleira especialmente para ele, a ser apoiada entre as pernas de um banco alto, que faz a vias de mesa de canto.

Para a base usei um pedaço de compensado e para os mosaico decidi que usaria restos de corte de pastilhas e de azulejos, além de alguns materiais que tenho há seculos e nunca uso. Delimitei no centro da placa o lugar para o dragão e ali apliquei os restos de cortes de pastilhas. Tudo foi contornado com pastilhas cristal com estampa que nunca tinha usado. O espaço que sobrou foi revestido com os restos de cortes de azulejos.


As pastilhas redondas também estavam esquecidas entre os materiais e encontraram aqui o seu momento de brilhar.




Para o acabamento das bordas da placa, cortei rolhas de garrafa em quatro partes no sentido do comprimento e, depois de coladas, passei duas demãos de verniz. Desta forma a cor ficou bem próxima da cor da madeira do banco, onde a prateleira foi encaixada. Para este encaixe acontecer, foi necessário deixar ser borda de rolha o espaço referente à largura das pernas do banco.


Escolhi o rejunte da cor cinza claro para adicionar menos informação visual à prateleira, uma vez que os restos de corte já são algo do tipo "tudo ao mesmo tempo agora".

 

Prateleira pronta, o amado Dragão Fumeta foi para sua casa nova e esse canto da sala ficou mais alegre. Faz parte do meu projeto "cor é o que não falta aqui" ou "cor: quanto mais, melhor".


Depois de fazer isso comecei a olhar as cadeiras da casa sob uma outra perspectiva, considerando a possibilidade de elas também ganharem prateleiras que podem acomodar livros e revistas, por exemplo...ou uma manta dobrada...onde certamente um gato iria se acomodar para seu sono reparador. É, colegas, a falta de espaço também serve de adubo para a criatividade.

Ainda que sobre a mesa de trabalho exista neste momento uma garrafa me esperando, a prateleira foi o último trabalho deste ano. Agora chegou aquela hora na qual a gente faz uma pausa para olhar para trás e para dentro. Que ano, hein? Eu sou incapaz de concluir qualquer coisa agora. As emoções tem estado tal qual um mar revolto. Quando chegar a calmaria - e um dia ela há de chegar - poderei tentar entender alguma coisa sobre o que vimos, vivemos e sentimos neste fatídico 2020. O único ponto que é claro para mim é que o mosaico foi o meu colete salva-vidas durante a tormenta que tem nos assolado. Foi um lugar seguro que pude acessar várias vezes, onde puder ser livre e ter esperança.

A todos que me fazem companhia aqui, recebam meu agradecimento profundo! Essa troca que temos significa muito para mim, é um farol que me guia na escuridão. Desejo que cada um de vocês também tenha seu "porto seguro" para se refugiar sempre que o mistério da existência esmagar o seu coração.

Fiquem bem, sejam responsáveis e até a próxima, a bordo de um novo calendário.

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A bandeja e a Família Raposa.

 Foi pela lembrança da rede social que a amiga de Berlim viu a foto da badeja de outra amiga em comum. "Quero uma igual a essa. Você faz?"

A bandeja em questão era essa aqui...


Fiz esta peça em 2014 e as flores foram feitas com azulejos que peguei de uma caçamba de entulhos. Portanto minha resposta foi não. Não há como fazer uma bandeja igual a essa. Posso fazer uma muito semelhante, mas igual não tem como, já que não há maneira de ter o mesmo material. E eu ainda disse a frase que sempre ecoa no vazio: "Inclusive eu posso fazer qualquer mosaico que você quiser, podemos usar algum pequeno objeto que lhe tenha um significado especial ou algo assim". Eu prometi que esta foi a última vez que falei isso porque, em 98% das vezes, recebo a resposta "faz como você achar melhor". Não, galera! Se a bandeja for para mim, não tenha dúvida de que eu vou fazer como achar melhor. Mas se é para você e você vai pagar por isso, a bandeja tem que ser do jeito que você achar melhor. Cabe a mim ajustar o seu desejo à técnica e à função do objeto.

Enquanto eu deixo fixado no topo do meu feed mental uma outra forma de agir numa próxima ocasião, fico imaginando porque é tão difícil para as pessoas fazer uma escolha ou então contarem sobre suas preferências. Será que isso é uma liberdade muito fora dos seus costumes? Será que elas têm medo de me ofender de alguma maneira? Quanto mais livre, mais difícil fazer uma escolha?

Enquanto tentava (tento) entender um pouco mais sobre nossa mente, fui fazer alguns esboços para oferecer opções concretas e diminuir, quem sabe, a angústia da escolha. Foram três opções: um desenho floral, bem semelhante à bandeja da foto, um desenho com quatro Triquetas - um síbolo muito usado na Irlanda (país natal dessa amiga) - e o terceiro desenho com uma raposa geométrica. A última opção foi a escolhida...e não por acaso. O sobrenome da família é "Fuchs" que significa "raposa" em alemão. Eu escolhi as cores para não submeter a amiga a mais uma angústia. Sei que ela não gosta de coisas ultra coloridas, ainda que aprecie um toque do cor, e o inverno é a sua estação do ano favorita.

Tudo pronto para começar? Não, ainda não...faltava só chegar a bandeja em si, que ela fez questão de comprar de uma loja da qual gosta muito. 

Algumas semanas depois...


...chegou esta bela bandeja. E foi com imensa dor no coração que eu fiz isso...


Removi o máximo possível da pintura para iniciar o mosaico. Ainda enxugando as lágrimas por desfazer um trabalho que já havia sido feito, transferi o desenho e comecei o mosaico. Escolhi fazê-lo todo com cerâmica. A bandeja não era muito funda, então se eu usasse materiais diversos, com espessuras diferentes, não haveria altura suficiente para  nivelar as tesselas ou colocar um vidro sobre o mosaico. Com a cerâmica eu teria a garantia de uma superfície plana, necessária para uma bandeja.


Neste ponto a raposa e as bordas estavam completas, faltando apenas preencher o fundo. Para ele escolhi o azul mais claro que encontrei entre as opções de azulejo. Havia considerado fazer o fundo em verde, mas achei que azul está mais ligado a inverno do que o verde, além de ser a cor dos olhos dos quatro membros da família. Então assim fiz.


Fundo preenchido e mosaico rejuntado. Tudo plano como o planejado.


Bandeja pronta, envio a foto. Ela fica satisfeita com o que vê e diz que as crianças vão adorar, ainda que ela pretenda não permitir que cheguem perto. Não! Não! Não, amiga! Se as crianças quiserem, por favor, deixe-as tocar o mosaico, sentir com suas mãozinhas a textura e a temperatura, deixe que elas se encantem, que elas fiquem curiosas sobre o material, que elas se divirtam..."pode?" Pode! E então recebo esta foto que iluminou os dias escuros desta época...


Ooooooowwwwwnnnnnn...💙💙💙💙💙💙💙💙💙!!!!!!!!!!!

E deste belo trabalho guardei comigo que ter que fazer uma escolha pode ser tão angustiante quanto não ter escolha alguma. Aliás, ousaria dizer que há quem se sinta confortável em não ter que optar por nada, em simplesmente lidar com as opções que alguém já fez em seu lugar, mas que sentiria uma ansiedade sem tamanho ao precisar fazer uma escolha. Será que a dificuldade está, na verdade, em encarar as consequências decorrentes da opção que fez?

É, minhas queridas pessoas, somos um oceano de complexidades.

Até a próxima!
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O cesto das gerações.

Se tem uma coisa interessante nessa vida, são os caminhos percorridos até que os encontros aconteçam. Há uma conjunção delicada de acontecimentos encadeados que nos conduzem ao presente. Uma vírgula em outro lugar da sentença e todo o sentido da frase seria diferente.

Para que o cesto chegasse até mim, houve a participação de algumas pessoas. Teve a pessoa que compartilhou o meu trabalho no seu círculo de contatos, de onde o cestinho viria. Teve a pessoa que efetivamente trouxe o cestinho até mim. Até aqui, tudo parece muito banal. Mas para essa banalidade acontecer, quatro famílias deixaram seu país natal para morar em outro país. Foram morar na mesma região (e até na mesma cidade). De diferentes formas, em diferentes momentos e por diferentes razões, se encontraram. Quais são as chances? Quais são? Quando penso sobre isso, não vejo tanto o peso de um destino soberano. Para mim trata-se de prestar atenção no que acontece agora, pois este momento é único e há uma certa beleza nisso.

Com uma nuvem existencial de redes de encontro pairando sobre minha cabeça, tomei o cesto de madeira em mãos.


 Veio mostrando os sinais do tempo e muita, muita dignidade. Ele pertencera ao avô e, na mão de seus descendentes, cruzou o oceano Atlântico duas vezes. Foi nas mãos de uma geração e voltou nas mãos de outra.

Depois da troca de ideias, das ponderações, dos esboços e do desenho final, eu começaria então o restauro do cesto que receberia um mosaico na base. A primeira semana foi dedicada a extrair o óleo que havia penetrado na madeira. Em seguida, lixar tudo.


Nas laterias o verniz saiu como se esperava. Mas a base, de compensado, tinha várias camadas de cera, que pediu um empenho extra e, digamos, menos sutil. Um detalhe interessante: repare na foto, o lado esquerdo do cesto. Ele é levemente torto e isso levou minha imaginação longe, assistindo um filme fictício de quando o cesto foi feito.

De volta à Terra, era a hora do mosaico. A referência estética foram os azulejos portugueses e esta foi a minha proposta para o cesto:


A preferência de cores foi a paleta de tons terrosos, prata e madrepérola, mas ficou para mim a tarefa de escolher exatamente quais cores usar. Além das cores, decidi também sobre o material. Escolhi usar cerâmica para caprichar na referência à azulejaria portuguesa.

Depois de tudo escolhido, seguiram-se os dias de montar o delicioso quebra-cabeças.


  

E foi essa a aparência antes do rejunte. As bolinhas prateadas são um tipo de espelho ondulado na parte interna, lindo como só ele. Depois veio a etapa de acabamento com a aplicação do rejunte sobre o mosaico e de verniz sobre a madeira.


Na parte de baixo fixei essa ripa para sustentar a porção central da base e parar o movimento de envergamento que já vinha acontecendo. Para que o mosaico dure é preciso ter uma base estável.

A aparência final do cesto foi esta aqui:



Este tipo de trabalho, de renovar um objeto antigo por meio do mosaico, é uma das coisas que mais gosto de fazer, é o que mais faz sentido para mim. O cesto, até este momento, é um pedaço da história daqueles que nos antecederam. A partir de hoje, renovado, ele se torna  um símbolo da ancestralidade e de uma nova trajetória que é traçada agora, no presente.


Que ele permaneça na família, como testemunha dos caminhos percorridos, por outras tantas gerações. 

Até a próxima!
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O cahepô e o acordo de liberdade.

Todas as vezes em que fui cuidar das quatro gatas, imaginei como ficaria bem um cachepô na mesa da varanda, logo abaixo da plaquinha que indica "Biergarten". Um cachepô com tampas de garrafa de cerveja para que o tema seja seguido à risca. Toda vez pensava em fazer uma surpresa, e colocar o cachepô já com uma plantinha para dar as boas-vindas no retorno da viagem. Porém, a ideia do presente surpresa sempre foi sucedida pelos pensamentos de censura."Isto é uma invasão do espaço do outro", "não é todo mundo que gosta de mosaico", "você não tem o direito de decorar uma casa que não é sua", "o estilo de vocês é diametralmente diferente", "será constrangedor", "vai prejudicar a relação de vocês"...essas são algumas das frases que me refrearam. Curioso é observar que estes pensamentos estejam ligados em algum lugar da minha cabeça ao ato de presentear com uma peça feita por mim. Não achei que seria impróprio deixar de presente um pacote de macarrão artesanal ou bexigas ou bombons ou um par de garrafas de cerveja. Qualquer uma destas alternativas seria socialmente aceita, mas o resultado do meu trabalho, não. Por quê? Será que o motivo esteja em quão pessoal é o presente? O cachepô de mosaico é um pedaço de mim, repleto de intenção, na casa do outro e eu não sei se o outro me quer na sua casa. Problemas de autoestima? Temos!

Então, por causa da troca de presentes que sempre fazemos por ocasião das viagens/cuidados com os gatos (a gente tem um acordo tácito de cuidar dos gatos uns dos outros quando viajamos), conversamos sobre a motivação que cada um tem para presentear. Naquele dia firmamos um segundo acordo: cada um faz o que quiser, quando quiser e enquanto quiser. Faremos aquilo que nos trouxer alegria. E foi naquele dia que decidi: vou fazer o cachepô.

Não foi um processo pacífico dentro da minha mente. Aquelas frases de censura participaram ativamente dos trabalhos e estão até agora me enchendo a paciência e machucando o meu coração com um alfinete afiado e infectado.



Ainda que o design seja semelhante a alguns vasos com tampinhas que já fiz, a escolha das cores não é. Normalmente uso cores vibrantes, contrastantes, mas isso não teria nada a ver com a paleta de cores da casa deles. Por isso fui por essa via de tons suaves.



Achei também que a cor de cerâmica do cachepô destoou muito das cores do mosaico. Então pintei a parte não revestida, fazendo um fundo cinza com toques de prata e pérola.
E, simplesmente por usar cores de uma forma que normalmente não usaria, mais uma enxurrada de frases agressivas e castradoras de mim para mim mesma começaram a aparecer e a se multiplicar, sempre colocando em dúvida a qualidade do meu trabalho. Nesse ponto, eu confesso, fiquei cansada, muito cansada. Chamei todos os demônios da minha cabeça, coloquei todo mundo sentado, um ao lado do outro, e disse: "Galera, o que acontece aqui é o seguinte: esse cachepô não é sobre mim. É sobre outra pessoa. Quando eu faço coisas para outras pessoas, certamente farei algo que usualmente não faria. Isso gera alguma insegurança? Sim! Aliás, vocês se alimentam disso também, não é? Mas, olha só, com todo o respeito, vocês vão ter que calar a boca e parar de jogar lama em algo que nasceu de um desejo bom. Eu quero presentear alguém que eu gosto com algo muito especial e isso não é ruim. Isso é bom. Estou falando de um gesto de afetividade. Isso é bom. Carinho é carinho. Carinho não ofende!" Af! Que luta!


 O cachepô será entregue em breve. Independente da minha luta demoníaca interna, eu vejo nele um marco. Deste cachepô em diante, resolvi dar toda atenção aos impulsos de demonstrar afeto. Seja na forma de um presente, de uma palavra, de um gesto, tanto faz...que a censura exista para o que nascer da raiva, da incompreensão, da inveja. Não há como impedir os maus sentimentos de existirem. Eles fazem parte de nós, que somos luz e trevas, mas eles não precisam dar frutos. Da mesma forma, porém em outro sentido, podemos fazer florescer os bons sentimentos. Se eles forem regados, adubados e cuidados, podem crescer. Darão novos e longos galhos e farão sombra sobre os maus sentimentos, que não terão espaço para se desenvolver. Bora cuidar desse jardim?

Até a próxima!
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Os porta-retratos e o amigo leal.

 Muitas vezes eu me pego pensando sobre as pessoas que encontramos ao longo da vida. Por que será que conhecemos as pessoas que conhecemos? Veja, o planeta onde moramos tem alguns bilhões de humanos e dentre estas bilhares de possibilidades, cruzamos com algumas bem específicas. Pensando tanto nas pessoas que passam brevemente pelas nossas vidas como naquelas outras que caminham junto com a gente, lembro das palavras da Monja Coen: "tudo e todos podem ser um Buda em nossa vida". Ela continua e explica que todos podem nos ensinar alguma coisa. Alguns nos ensinam com ser e outros como não ser, num fluxo contínuo de aprendizado. Vindo de outra vertente, mas culminando no mesmo ponto, há também uma frase que me foi dita pela minha ex-dentista e eterna amiga: "somos todos anjos uns nas vidas dos outros". Ensinamos algo a alguém na mesma medida em que aprendemos algo com alguém.

Esse pensamento sobre as pessoas sempre está ativo na minha cabeça, mas quando fui fazer os porta-retratos que mostrarei a seguir, assisti a um filme do tipo "Esta é Sua Vida" na tela da minha mente. Foi o amigo MM que pediu que eu os fizesse (MM é uma pessoa discreta, por isso preservarei sua identidade). Ele é amigo do meu pai há um milhão e meio de anos. À medida que fui crescendo, posso dizer que fui criando a minha própria relação de amizade com MM. Com mais ou com menos intensidade ele sempre esteve presente em nossas vidas. MM sempre foi muito direto e falou tão claramente suas opiniões que houve um tempo em que eu tivesse medo dele, ou melhor, medo de ouvir alguma verdade bem no meio da minha cara. Hoje MM mudou quanto a isso e tenho a impressão de que faz de um tudo para que eu não me aborreça. Isso inclui ficar calado ou contar pequenas mentirinhas, como dizer que amou o pesto italiano que lhe dei de presente. Eu havia esquecido que MM detesta queijo. Detesta!!!! Mas deixando estes detalhes tragicômicos de lado, posso dizer que MM é um amigo leal. Ele sempre me apoiou desde que comecei a fazer mosaicos. E seu apoio é da forma mais foda que tem: comprando e presenteando outras pessoas. Aliás, MM faz isso com outros amigos artistas e artesãos que tem. Por isso seus presentes são sempre incríveis. Tenho bolsa, tapete e objetos de decoração que foram feitos  por mãos carinhosas e amigas, coisas cheias de significado. Essa é uma das formas que ele demonstra afeto e cuidado. MM foi até Berlim passar uma semana com a gente! Passou frio, tomou chuva, andou quilômetros a pé, subiu e desceu muita escada com seu joelho problemático,  ficou gripado e ainda foi embora agradecendo. Pior! Um passarinho me contou que MM toparia repetir a dose pelas bandas de cá! Ele também é apaixonado por cinema, amante da boa cozinha e tem as melhores dicas culturais de São Paulo. Por causa de MM, me interesso cada vez mais por coisas do Japão. Por causa dele também sei tudo o que acontece com Hauser, um violoncelista croata (ou o "cellista gato" como costumo chamar).

É por tudo isso e mais um pouco - desde a mais tenra idade tenho liberdade de mandar MM se foder numa boa - que um pedido dele é para mim uma alegria imensa. Foi nessa toada que fiz os porta-retratos.

                             

Todos foram feitos com Smalti, que é, de fato, um material belíssimo.


O design foi quase o mesmo de um trabalho de 2014 e em outras cores.


Dá um arrepio na coluna de imaginar estas peças sacolejando na infinita viagem até MM? Dá.


Mas tenhamos fé que Nossa Senhora dos Correios não nos desampare...exceto em caso de greve...


Em meio a esse movimento de pessoas que vêm e pessoas que vão, ter pessoas que ficam é um privilégio. E se entre as pessoas que ficam existirem aquelas pelas quais temos um graaande carinho, então acho que o pacote está completo e não se tem o direito de reclamar de nada. O que há de mais valioso na vida, já nos foi dado.

Até a próxima!

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Lembranças do que não vivi

 Algumas vezes já citei que tenho o desejo de cobrir com mosaico cada centímetro das paredes brancas deste apartamentinho que moramos. O trabalho que mostro hoje nasceu para compor esse plano.

Eu queria fazer algo que conversasse com as curvas do meu querido e belo (belíssimo!) "Manifesto sobre a Assimentria" - veja AQUI - e já vinha cultivando essa ideia há algum tempo, até encontrar a peça perfeita para começar o trabalho: um espelho redondo. Na verdade encontrei dez deles em uma venda de garagem. Originalmente os espelhos eram suportes de velas para decorar mesas ou aparadores. Então tive apenas o trabalho de descolar os suportes de borracha que estavam na parte de trás. Colei o espelho num recorte de madeira e o mosaico começou a se revelar.

Posicionei o espelho em um dos vértices da base retangular, mas coloquei essa foto aqui só para enaltecer a fofurice da Antônia.

 Comecei pelas pedras vermelhas que estavam na prateleira há um tempão. Sempre que tentei inseri-las em um trabalho, acabava por desistir achando que não combinavam. Desta vez comecei por elas, assim o que viesse depois deveria harmonizar com as pedras. Acho que a estratégia funcionou. Depois das pedras vermelhas vieram as pedras prateadas. Depois vieram as pastilhas, o Vidrotil e mais algum espelho.

A inserção de textura, depois das pedras, foi muito suave.

 A minha diversão aqui foi propor uma simetria de revestimento em áreas assimétricas, mais ou menos como fiz no "Manifesto sobre a Assimetria", com a diferença que aqui a assimetria é muito evidente. 

Repetição de linhas retas e curvas.

Durante a execução, à medida que o mosaico surgia, fui observando uma estética que me transportou até algum lugar da minha infância (acho) e passei a sentir algo que se tornou a minha especialidade: saudade de alguma coisa que não sei o que é. Uma espécie de lembrança que é muito nítida quando sentida, mas totalmente abstrata e etérea para ser definida. Sabe quando você sente um aroma que lhe é muito familiar e este aroma imediatamente te faz sentir uma torrente de emoções, mas você não sabe dizer qual aroma é esse? É mais ou menos assim que eu sinto.


Depois de finalizado, explorei um pouco as várias posições que ele poderia ocupar na parede.


E até considerei colocá-lo em outro cômodo. Mas achei melhor sossegar a macacada que pulava na mente e me ater ao plano original.


Olhando a parede como está, já começo a desenhar na mente o mosaico que irá na parte de baixo...e também a ver outros espaços onde encaixarei outras coisas - para alegria da macacada que já começa a pular novamente dentro da minha cabeça.

Está ficando muito interessante, não está?

E essa alegria toda foi possível graças à Venda de Garagem, ou Mercado de Pulgas se preferir. É um evento que é bom para todo mundo. Se onde você mora isso não acontece usualmente, você pode começar um. Ou pode simplesmente oferecer aquilo que não lhe serve mais para o seu amigo criativo por um preço camarada. Que tal? Bora circular essa energia?

Até a próxima!

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Para ficar leve

Não a alma. Tampouco os pensamentos. Foi para aliviar a prateleira de materiais que mosaiquei a garrafa. Estava tudo meio apertado, meio amontoado e eu precisava abrir um pouquinho de espaço. Foi essa a motivação sincera. Não quis provar um ponto, não quis expressar uma angústia, não quis salvar o mundo. Eu quis simplesmente acomodar um pouco melhor o material. Então rumei para aquilo que hoje acontece tão naturalmente: mosaicar garrafa. É divertido, é fluido, é encantador e eu ainda posso me iludir achando que estou fazendo o bem. Olha que maravilha! Penso que dar uma segunda vida à garrafa é sinônimo de reduzir o descarte de materiais. Isso em parte é verdade. Em parte. O buraco é (sempre é) mais embaixo. Sucumbindo - cada dia mais - ao peso das responsabilidades da existência, me contento com minhas meias verdades. Elas dão um meio conforto frente ao que não consigo resolver.

A garrafa! Ajustemos o foco na garrafa! A garrafa era de vinagre, num formato sinuoso e suave.


As cores da tampa ditaram as cores do revestimento.


Se em outros momentos eu evitei garrafas com quinas, agora quis me divertir justamente aí.

Em outra ocasião, na qual constatei que uma das prateleiras da minha estante estava vergando com o peso, falei para mim mesma que só compraria mais material se esvaziasse pelo menos 20% do que tinha ali. Estou 80% fiel a esta proposta. Ainda não resisto quando encontro algo descartado que para mim é muito útil. O mesmo acontece em mercado de pulgas.

Quando terminei a garrafa senti satisfação pela conclusão da tarefa. Limpei daqui e dali, fiquei alisando...


Foi então que percebi que transferi para a minha prateleira de materiais uma sensação que me acomete em relação à geladeira. Não lido bem com geladeira cheia. Fique à vontade para julgar, mas uma geladeira abarrotada de coisas, de um jeito que não dá para ver a luz, me causa aflição. Sinto que não vou dar conta de consumir tudo e haverá desperdício. Com a prateleira de materiais não me aflijo com desperdício, já que vidro não é perecível, mas com o acúmulo.

Que belo ângulo! Para mim, a contemplação do alívio.

Percebi esse paralelismo esquisitíssimo e fiquei achando que faço o que faço não por amor, não por inspiração, mas para esvaziar espaços cheios. Que loucura! Não, não, não!!! Isso não deve ser totalmente verdade. Não pode ser...talvez seja uma meia verdade...e agora preciso de uma meia mentira para me reconfortar de mim mesma.

É, meus amores, a beleza (estou assumindo que a garrafa é bela) pode nascer de lugares incertos e sem nenhum glamour. Vale assim mesmo? Ou só vale quando escorre sangue e sour?

Me despeço, como sempre, sem respostas. Pior: comecei a ver o rosto de um animal orelhudo na última foto. Alguém mais?

Caso não sucumba à minha própria loucura, nos vemos na próxima. Até lá!

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A vida no Aquário.

Na ocasião da mudança de Berlim para Herrsching, encontrar um novo apartamento foi uma tarefa inglória. Na primeira tentativa visitamos alguns imóveis na cidade de Munique e, dentro da faixa de aluguel que poderíamos pagar, vimos muita...qual é a melhor palavra?...muita bosta. Sim, bosta define com exatidão. Para nos animar ainda mais, não gostamos da cidade. Sabe quando você vai num restaurante caro, super recomendado, e se depara com uma comida totalmente insossa e um serviço muito meia-boca? Foi essa a nossa primeira (e segunda e terceira e quarta e quinta e sexta...) impressão da capital do estado da Bavária. Voltamos para Berlim degustando o sabor amargo do futuro sombrio.

Pensamos, ponderamos e concluímos: Munique não vai rolar. Não existe Berlim em Munique, logo não faz tanta diferença estar ou não na cidade. Ajustamos o foco da busca para locais que não fossem longe do trabalho e para imóveis que tivessem o que o apartamento de Berlim não tinha: aconchego e luz natural. Já que passaríamos naturalmente mais tempo dentro de casa, ela precisaria ser agradável. Um tempo depois, fizemos a segunda tentativa. Apesar de uma visão "bostérica" aqui e ali, as coisas pareciam mais possíveis, ainda que muito aquém do desejado. Na manhã do dia da volta tínhamos uma última visita marcada. Na véspera havia nevado muito e no caminho completamente embranquecido que avançava para a área rural fui sentindo um desespero crescente. "É aqui que eu vou morrer", pensei "e ninguém vai saber. Ninguém perceberá que eu morri e meu corpo será encontrado depois de dias ou semanas, já em decomposição". Quando chegamos de fato na cidade a sensação só piorou. A essa altura eu já estava chorando. Compreenda, não é fácil quando você fica sabendo onde vai morrer. Nem tive tempo de tentar elaborar meu luto, pois, ao chegar ao endereço, o casal de corretores já nos aguardava sorridente. Sabe-se lá com que cara eu tentei sorrir de volta e iniciamos a visita. O banheiro não tem janela, mas a vista da sala é bonita. A cozinha é microscópica, mas o cômodo ao lado tem um  janelão que vai de uma parede à outra e do chão ao teto. Pesando prós e contras, foi esse o apartamento escolhido. Decisão tomada, documentos enviados, fomos aceitos pelos locadores, etc., etc., etc., mudamos.

Após dois anos aqui posso dizer que luz é muita coisa na vida do ser humano. Muita coisa mesmo! Tendo constatado isso, decidimos não colocar nenhum tipo de cortina no janelão para não perder um raio de luz sequer. Isso significa que temos plena vista da rua...e ela de nós. Aí começa uma parte muito interessante: já reparou como somos naturalmente curiosos? Se não fosse assim, ninguém se daria ao trabalho de fazer vitrine numa loja. Adoramos olhar através de janelas. Queremos saber como é a casa dos outros, como escolheram decorar, queremos ver o que fazem dentro de casa, o que fazem da vida. Queremos saber um monte de coisas sem importância, que não levam a nada e isso é uma característica de nossa condição humana. Com o nosso janelão/vitrine/aquário não é diferente. São muitos os olhares que entram aqui pelo vidro. Alguns distraídos e outros mais intencionais. Neste momento de "invasão" ninguém espera ser ele também o observado, por mais óbvio que isso seja, afinal o vidro é transparente para os dois lados. Quando nossos olhares se cruzam, há os que desviam imediatamente, num certo constrangimento que para mim indica algum peso na consciência, e há aqueles que ficam mais um segundo processando o que está acontecendo. Para esses, se meu humor permite, sorrio levemente e aceno. Então há, mais uma vez, uma divisão: os que fazem cara de quem foi flagrado roubando doce do mercado (olha a consciência pesada aí...) e os que sorriem ou acenem de volta. Nós, humanos, somos realmente fascinantes!

Foi essa interação involuntária com desconhecidos que me inspirou a fazer esse mosaico.

Uma pupila de fundo de copo de aperitivo, recheado com miçangas e uma gema de vidro. Uma íris de pires de xícara de café.

As pálpebras ultra contraídas são conchas pintadas com esmalte de unhas.

O acabamento das margens do meu manifesto são quartos de rolhas pintados.


A visão.

É um lembrete simpático de que a observação pode ser uma via de mão dupla, o que a torna mais justa no seu ponto de partida. Como cada um observa, aí já é uma outra história.

Alguém já me perguntou se não nos sentimos expostos demais com essa janela. A resposta é sim. Porém eu não quero abrir mão da luminosidade. Mas tem uma outra coisa. Com o passar do pouco tempo que aqui estamos (mesmo que todos os dias pareça uma torturante eternidade), entendi que não são esses os olhares, através da janela, que me perturbam. Esses são quase pueris. Os olhares que me incomodam são os que acontecem quando estamos no mesmo ambiente do observador, sendo medidos da cabeça aos pés para sermos classificados de acordo com um esteriótipo que existe na cabeça de quem observa. Essa semana mesmo passei por um momento glorioso desses. Ao oferecer ajuda a um senhor que não conseguia se entender com a máquina de bilhetes da estação, tive minha alma sugada para fora do planeta Terra pelo olhar aterrorizado de uma pessoa que estava na fila. Por que as diferenças nos causam tanto espanto? O que será que aquela pessoa viu ali para lhe assustar tanto? Será que era a cena de uma pessoa oferendo ajuda a outra? Ou será que era a cena de uma pessoa branca falando com uma pessoa preta? Não tem como saber. A única coisa que sei fazer é colocar o meu olhar à disposição, é fixar meus olhos no fundo dos olhos de quem me observa. Quem sabe alguém de nós saia destes momentos com alguma resposta.

Até a próxima (vista)!




Coleção de Colares "Via Láctea"

Uma coisa sempre leva à outra. A Coleção Via Láctea começou na Coleção Alcachofra. Eu queria presentear uma pessoa e disse que escolhesse qualquer um dos colares Alcachofra. Mas salientei que, se ali não visse aquilo que lhe falasse diretamente ao coração, poderia pedir o que fosse do seu gosto. Então ela me mandou a foto da tatuagem que mora no dedo anular da sua mão esquerda: um triângulo invertido. O símbolo marcado na pele é o logotipo de sua produtora. Ali decidi que faria não um colar, mas uma coleção de colares de triângulos invertidos, afinal se é para cortar lata, vamos até o fim. A lata em questão era de leite condensado - e saiu daí o nome da coleção: Via Láctea.

O triângulo, por sua ligação com o número 3, simboliza a perfeição e a unidade. Já o triângulo invertido, voltado para baixo, representa o sagrado feminino, a feminilidade, a fertilidade e o lunar, além de estar relacionado aos elementos água e terra. Com este belíssimo tema em mãos, coloquei-as para trabalhar.

Comecei pela tampa, tirando um triângulo de dentro do círculo.

Depois, cortando as bordas da lata, separei o fundo e a parte central.

Depois foi questão de cortar e dobrar. Nasceram vários pingentes.

Com as bases prontas, comecei a montar os colares. Lembro que era uma segunda-feira escura, daqueles dias em que chove forte várias vezes e tudo tem uma luminosidade de quase noite. Fiz os primeiros cinco pingentes numa tacada só, trabalhando o tema de um colar para o outro.

O primeiro colar tem esta gema de vidro em formato de gota que, invertida, se encaixou perfeitamente na base. Dos lados, pedras com glitter e correntes na cor preta.

O segundo pingente teve seu formato fora do tema. Um recorte de lata havia sobrado, de onde poderia extrair mais um triângulo. Mas a forma me pareceu bela assim como estava.

Nesta coleção dei espaço a alguns pingentes menores, afinal não é tomo mundo que é leão com ascendente em libra e lua em gêmeos, certo?
O quarto colar, um dos meus preferidos desta leva, ilustra bem o brincar com variações.

O quinto colar, que no meu dicionário eu chamaria de "classudo", é o que eu achei que seria o escolhido pela pessoa que inspirou o surgimento da coleção.

Foi então que fiz uma pausa. Assim como aconteceu na Coleção Alcachofra, tudo começou com uma busca. Em determinado ponto senti que tinha encontrado o que procurava. Neste caso foi o quinto colar. Por isso parei, parei por alguns dias. Dei um tempo para mudar o foco. Se tinha chegado no objetivo que buscava, o que mais eu teria para dizer? Ou então, o que eu faria se não tivesse ninguém vendo. Ou ainda, do que eu brincaria depois de ter terminado a lição de casa? Foi nesse clima que fiz os colares que se seguiram.

E seu eu fosse dar uma espiada no que há no lado oculto da lua?

E se eu fosse ver o que há em outros planetas?

E seu eu simplesmente caminhasse descalça pela Via Láctea?

E se eu criasse minha própria Nebulosa?!?!?!?!

Deixar a mente se divertir é, para mim, um treino no qual eu preciso dizer para a voz da crítica (aquela que fala que está tudo ruim e que vai dar tudo errado) sentar ali no canto e esperar, ao mesmo tempo que digo para a voz da criatividade (aquela que tem os olhos brilhantes e um sorriso vivo) tirar a roupa apertada e correr pelada por onde quiser. Acho que esse tipo de duelo vai acontecer sempre. Cabe a mim encontrar um meio termo saudável...e produtivo.

Até a próxima!
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