Por uma destas situações que acabam com nossa rotina sagrada de cada dia, acontecimentos que dizimam a parte boa da rotina e deixam somente a ruim, me achei numa cozinha morta. Ali, apenas microondas e forninho elétrico funcionam diariamente. Cozinha de uma pessoa só, que já criou e recriou refeições fartas para uma família inteira que crescia ávida. Naquele cômodo quadrado desfilaram muitas sobremesas favoritas, pratos triviais que fizeram a alegria de uma molecada no intervalo da escola e menus especiais para dias especias. Até nas datas santas e enlutadas o cardápio levava todo mundo ao paraíso.
Aos poucos o ritmo foi diminuindo, acabando e se esvaindo de cada panela, de cada travessa, de cada toalha, copos e talheres. Então, tudo morreu. Refeições são consumidas ali, mas não são mais preparadas ali. O coração da casa não bate mais.
Como um monte de coisas que olhamos mas não vemos, só percebi a extensão deste falecimento ontem. Os ventos traziam os cheiros de almoços sendo preparados e eles vinham de todos os lados, para todos os gostos. Aquele contraste me pareceu um absurdo. Não! Ainda há gente aqui! Pensando em todas as restrições da lista da nutricionista, vasculhando armários, descartando o que se estragou neste jazigo de sentimentos e ambições, piquei frutas, levei-as ao fogo com cravo e canela para que cozinhassem no próprio sumo. Aos poucos um aroma acolhedor foi preenchendo o ambiente. Sim, vizinhos, ainda estamos aqui! Duas abelhas, lindas e muito amarelas, vieram pela janela. Em algum lugar sentiram que no décimo andar um coração estava batendo. Sejam bem-vindas! Entrem junto com o vento!
A cozinha dita o ritmo de uma casa e fala sobre a vida que acontece ali. Cozinhar é uma declaração de amor. Cozinhar para todo mundo é sempre mais gostoso, mas cozinhar só para si é, talvez, mais importante. É um ato de amor próprio e de compromisso com a vida.
Sinto absurdamente por não ter percebido antes que aquele local precisava de uma intervenção. Fazer a comida ali, ao invés de levá-la pronta e congelada, pode nutrir muito mais do que apenas o corpo. Certamente os danos já instalados não tem volta, mas acredito que sempre é tempo de adicionar cor, sabor e luz a dias tão incertos.
Minha querida, muito querida Adriana, quando vi o seu comentário fiquei feliz e vim correndo te visitar.
ResponderExcluirSinto muito, querida, sinto tanto pelas suas perdas , absolutamente indisfarçáveis no seu texto.
Não se perda de si! Isso, nunca!
Revisitar e revitalizar a cozinha é, tenho a certeza que é, um primeiro passo relevante.
Ame-se e depois, deixe-se amar.
Mimar-se, é componente inestimável desse processo. Aí, a comida é parte importante.
Vi há tempos um filme levezinho, mas muito interessante, em que Meryl Streep era protagonista. Chamava-se Julia e Jullie, creio. O enredo desenvolvia-se no mundo da cozinha, sendo as intérpretes principais, uma cozinheira experiente e uma incipiente.
A segunda praticava verdadeira psicoterapia na cozinha. Nas suas palavras, quando tudo falhava, quando o aleatório fintava os projetos de vida, refugiava-se na culinária que, respeitando os preceitos, era aposta segura, garantia de chegada a bom porto.
Esta tese vale o que vale, bem sei, mas é reconfortante poder dominar o epílogo dos acontecimentos, ainda que estes se restrinjam à elaboração de uma sobremesa.
Minha linda,não sei dar conselhos. Sei apenas compartilhar experiências. Nessa partilha, garanto, que, estar ocupada com um projeto que reverte a nosso próprio favor, é altamente terapêutico.
Que o seu dia, amanhã, seja melhor que hoje.
Um forte, forte abraço da Nina
Acredito que o desejo suplenta qualquer coisa, sendo assim, a cozinha pode tomar vida sempre que a dona tenha este desejo e bem sei que a sua força sempre está presente em todos os cantos da casa, pois vc é uma mulher forte e decidida e isto faz toda a diferença, parabéns pelas linhas e pela força que sai de seu coração e que lhe torna está pessoa especial.
ResponderExcluirAdriana,lembrei-me de ti. Tomara que estejas bem!
ResponderExcluirBeijo da Nina