No final do dia 25 tenho a sensação de que fui atingida por um furacão. Eu pude vê-lo chegando e permaneci no lugar sem poder me esconder. Então ele passa. Mexe com toda a ordem. O que está guardado lá no alto do armário é posto em uso e o que é usado no cotidiano fica então soterrado. Durante a hecatombe não dá para pensar com clareza, agir com precisão ou sentir com sutileza. É o momento no qual a única hipótese é a entrega. Impossível fingir que nada acontece. Impossível dizer que a ferida sangrando não está exposta. Mas tudo passa. Tudo mesmo! O que é ruim, o que é bom e o que nem foi devidamente notado. Então eu olho para trás. Não consigo ver muita coisa porque o cansaço ainda pesa, mas tenho nas mãos três pérolas que permaneceram após a tempestade: o canto singelo e sincero, a cumplicidade sentida e silenciosa e a gratidão humilde e espontânea. Acredito que são os presentes que recebi neste ano e o resto coloco junto ao lixo reciclável.
Saímos, então, para ver quem ainda está vivo e quem não conseguiu passar por mais um Natal. A cidade está deitada na rede, balançando bem devagar, deixando a inércia ditar o ritmo. Existe silêncio! Existe calma! Até ela, esta cidade promíscua e dissimulada, deixou de representar seu papel. Tudo está fechado. Somente algumas poucas farmácias se apiedaram dos excessos dos outros e abriram suas portas. Tudo o mais está fechado. No dia 25 não há nada que se diga "24 horas". Só por um dia esta cidade de beleza e identidade perdidas reconhece que também exagerou, passou dos limites, oprimiu, sufocou. Neste dia ela pede desculpas. Muito sem jeito, é verdade. Mas eu as aceito. Entendo que ela é também vítima nesta história e sofre em dobro: pelas ecolhas que fez e pelas que fizemos por ela. Neste dia ela tem piedade de nós e nós dela. Compreendemos nossas fraquezas. Por hora isto basta. Sabemos que tudo voltará paulatinamente ao caos, mas por alguns segundos nos reconhecemos e relembramos que ela me deixava andar de bicicleta no seu marco central e que haviam luzes de todas as cores, e que não piscavam, em suas árvores. Sabemos, eu e ela, que nada disso voltará, mas naqueles instantes ficamos satisfeitas em ter memórias mais nobres do que nossos dias atuais. Eu a perdôo ao menos por um dia. Ela não me insulta ao menos por um dia. Ambas passamos pelo mesmo furacão e sofremos do mesmo mal. Amanhã ela nem lembrará mais que eu existo e eu voltarei a falar mal dela pela mais pura dor de cotovelo.
O que fazer????
ResponderExcluirA gente tenta,mas o Natal não deixou de ser um furacão também para mim.Faço de tudo para curtir como pede o " figurino" ,mas sempre fica a sensação de que se faz muito para pouco tempo.
Parece que a Tia Cecília está descobrindo a solução: quem sabe possamos aprender com ela para que o Natal se transforme em algo mais leve...
bjs
Mamunka Preta
Boa Dri. Pelo menos uma vez ao ano, depois de toda a bagunça, temos a oportunidade de ver tudo assim, parado, em stand by... Eu gosto de ver o mundo assim... Bela descrição! Beijos!!!
ResponderExcluirAndrea