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Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

A dificuldade de ser livre

    Comecei a perceber este nosso aleijão ainda no antigo emprego. Se quisesse prolongar um atendimento e gerar uma baita confusão bastava oferecer opções ao cliente. Não era incomum ser indagada sobre algo totalmente alheio à minha competência: "O que você acha que eu devo fazer?" Eu? Eu?? EU?????? Não sou eu que não tenho alguém que possa buscar as crianças na escola ou que não consiga sair mais cedo do trabalho para estar na consulta médica. Não sou eu que estou com a perereca em chamas, desesperada por um atendiento. Eu nunca soube como dizer ao meu interlocutor que ele ou ela precisaria estabelecer prioridades e fazer escolhas. Em parte porque entendia que as perguntas eram retóricas. Em parte por não saber por onde começar. Em parte por não acreditar que uma sessão amadora de análise fizesse parte de uma marcação de consulta. O fato é que por vezes sentia pena das pessoas que, por não conseguirem tomar uma decisão cotidiana, colocavam nas mãos de alguém estranho o poder sobre sua vida. Sem exageros, pois se uma decisão corriqueira era motivo de angústia, imagine uma decisão do tamanho daquelas que dividem sua vida em duas partes distintas.
    Essas situações se sucediam em maior ou menor grau na escala de absurdos e eu não sabia ao certo se era uma questão restrita àquele tipo de assunto. O tempo passou e tomei eu uma daquelas decisões que dividem a vida em duas partes distintas. Agora o assunto é totalmente outro, mas a dificuldade em optar, escolher, tomar decisões continua a mesma. Está arraigada em nós, seres imersos por séculos a fio em uma cultura repressora e anti-sensorial. Por ser algo gravado em nosso íntimo de forma tão permanente, muitas vezes, sem perceber, pedimos para uma segunda pessoa decidir sobre algo que não conhece. Por exemplo, como eu posso escolher a melhor cor de uma pastilha se nunca vi a casa onde uma peça feita por mim será colocada? Posso indicar outras coisas dentro da intenção do cliente - algo chamativo, algo discreto, rebuscado, simples, muito colorido, minimalista, etc. Contudo ainda não consegui penetrar em suas mentes e adivinhar o que desejam. Dizem muito "faça como você achar melhor". Sem dúvida! Só que o melhor para mim não é necessariamente o melhor do outro. Pode parecer muito estranho, mas é consideravelmente custoso extrair as informações que preciso para fazer meu trabalho. Tenho que sondar com muito cuidado, pois já percebi que perguntar demais ofende. Para uma gama de pessoas, ver-se em maio a um leque de possibilidades é quase um xingamento. Sinceramente entendo esta dificuldade em lidar com a liberdade de poder fazer opções como uma dificuldade em assumir responsabilidades. É muito diferente daquele que não sabe exatamente o que quer porque o assunto é novo, mas à medida em que recebe informações já começa a caminhar em determinada direção.
    Fomos habituados a não querer. Desejar algo não é visto com bons olhos. Conquistar coisas e sentir prazer com este fato não é digno de um bom cristão. Aí vem a culpa que tortura de uma tal forma a ponto de parecer viável deixar para os outros que decidam sobre nossas vidas, afinal se não der certo é mais bonito ser vítima do que culpado.
    Estamos todos em aprendizado contínuo. Nos sentimos mais plenos na mesma proporção de nossos aprendizados. Evitar as escolhas é abdicar à liberdade. Sem liberdade este processo de evolução fica prejudicado. É claro que cada um de nós age de acordo com o que acredita, mas é preciso entender que não escolher já é uma escolha e, portanto, traz uma consequência que não fugirá da sua frente pelo fato de não ser encarada.


2 comentários:

  1. Na tentativa de apresentar mais uma idéia na forma de proceder, passo a relatar um caso que me ocorreu. Indicado para ser advogado de um adolescente que havia praticado um crime e estava recluso tomei a decisão de fazer valer as prerrogativas de advogado no que se refere a oitiva do acusado sem a presença de qualquer pessoa. Pouco antes da audiência, apresentei esta intenção ao Juízo, o que me foi prontamente concedida. É necessário lembrar que nestes casos tudo ocorre muito rápido face ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Para tanto até ali já estava por dentro de todas as peculiaridades do caso e já visualizava algumas alternativas para o caso. Na sala reservada para este fim comecei a dar esclarecimentos ao menor direcionado-o para o que deveria ser dito. Prontamente o mesmo me disse que não havia feito nada e iria falar isto em audiência. Não quis nem escutar o que eu tinha a dizer. Repentinamente levantei da cadeira, indaguei-o se ele apresentaria esta versão e ele respondeu afirmativamente. E assim foi feito, o menor apresentou a versão que ele desejava, foi condenado e cumpri pena atualmente. E desta passagem percebi que só posso tentar ajudar quem deseja ser ajudado, assim, se a pessoa pergunta, entendo que ela acredita tanto em meu trabalho que se entrega totalmente, se ela não pergunta nada tento a fazer a não ser o melhor dentro do que a pessoa deseja. Acredito que deve ser assim em todas as áreas. Não sei se está certo, mas é assim que tenho delimitado minhas ações profissionais.

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  2. Oi Adriana,
    Vi uma peças lindas,ontem no Elo 7 e hoje me deparo com este blog com textos muito bons.Qualidade!Bem,eu sou meio o oposto,porque decidida,impulsiva,etc tenho a cabeça feita e vejo que isso também não é facilmente assimilável.Faltam argumentos para a maioria das pessoas quando não conseguem fazer valer sua (falta) de opinião,valores,etc.Tanto para questões prosaicas quanto para questões mais vitais - ,fácil colocar a culpa nos outros,na família,na sociedade,nos costumes,seja lá o que for.Liberdade implica responsabilidade e ela é difícil,pesada e não alcança todo muindo.Bjs

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