Naquela época, este era mais um dos "eventos" pelo qual eu aguardava com boa expectativa. Na reta final do inverno as árvores da rua, já com folhas novas, floriam loucamente sua pequeninas flores amarelo ouro. À chuva fraca ou ao vento desenhavam-se consecutivos e densos tapetes amarelos. Da calçada de casa era fácil observá-los ao longo da rua, até o final da subida sinuosa. Não havia muitos carros estacionados e os que havia ficavam integrados neste cenário de cor, cobertos também pelos tapetes. Ao se movimentarem, lançavam ao vento as florzinhas que iam contando pelo caminho que a primavera logo estaria ali.
Numa tarde que não deixava dúvidas de que ainda estamos no inverno, a caminho dos Correios, fui surpreendida. Na rua menos agitada, nas raras calçadas espaçosas, estavam lá, dois tapetes amarelos. Afastei o guarda-chuva, olhei para cima e sorri em resposta às copas verdes, brilhantes, que balançavam suas espigas de florzinhas desesperadoramente amarelas. A chuva e o vento do dia fizeram a delicadeza de tecer aqueles tapetes amarelos, nostálgicos, fora de contexto. Diferente de antes, passei sobre eles. Não queria pisar nas flores, mas precisava sentir aquela fração de paisagem que me sugeria memórias tão reconfortantes. Claudicante que sou para acompanhar a tecnologia, não tive como registrar o cenário. No dia seguinte, como não chovia mais, os funcionários dos condomínios daquela rua prontamente desmancharam minhas memórias, atendendo à expectativa do time daqueles que chamam as flores no chão de sujeira.
Nos dias que se sucederam à visão furtiva do passado, atinei meu olhar para as calçadas. Para não dizer que não vi mais nada, uma ou outra florzinha me acenou com timidez. Há carros estacionados por todos os lados em todas as ruas, as calçadas encolheram, várias árvores perderam seu lugar na cidade para espécies que não atrapalham os fios de luz...e que não fazem sujeira. As sobreviventes tentam, mas não há mais como tecer os mesmos tapetes amarelos.
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