Esta é uma das visões que mais gosto da nova bandeja que fiz. Parece que espio por uma janela, furtivamente, estas flores que conversam sobre suas histórias. Elas existem há algumas décadas. Não como flores, é verdade. Eram azulejos e nasceram em algum momento das décadas de 1970 e 1980. Enfeitavam cozinhas, copas e áreas de serviço talvez. Foram escolhidos com orgulho por quem estava construindo, para que a sua cozinha fosse a mais bonita numa época onde tudo era feito para durar.
Com suas cores e desenhos peculiares, estes azulejos foram malditos na década de 1990, chamados de brega, de cafona. Mas passado este período, que aliás foi um dos mais sem identidade que já vivi, foram redescobertos aos poucos. Agora parece existir um consenso de que transbordavam estilo e já se fazem cerâmicas novas 100% inspiradas nas mais antigas.
Os azulejos que usei para fazer as flores desta bandeja foram recolhidos num sábado, no começo da tarde. Fazia muito calor e fomos tomar um sorvete. Na volta nos deparamos com uma montanha de entulhos onde antes existiam duas casas. Não eram casebres caindo aos pedaços, eram duas casa majestosas que eu gostava de olhar sempre que passava por ali. Naquela mistura do resto do sabor do sorvete com o paladar amargo de saber o que ocupará o terreno, saltamos para aquele cenário devastado a fim de salvar o que fosse possível. Aos poucos os cacos valiosos, lindos e empoeirados foram aparecendo. Para quem demoliu, tudo aquilo era lixo e aos meus olhos eu estava garimpando um tesouro. O contentamento ao achar mais pedaços era às vezes substituído pela incredulidade ao ver tanto material bom sendo condenado. Pelo desenho de cada azulejo imaginava "este deve ser da cozinha" e à minha frente imediatamente surgia o restante dos móveis, o cheiro de bolo quase pronto no forno, o vozerio da família que teima em se espremer na cozinha, desprezando a mesa com doze lugares da sala de jantar.
Uma casa recém demolida parece ainda existir energeticamente por algum tempo. Eu estava totalmente absorta nos acontecimentos hipotéticos de uma vida que não tinha sido a minha quando uma voz pergunta alguma coisa que não entendi. Era um andarilho e queria saber se podia procurar por fios de cobre. Pode, amigo, pode vasculhar conosco este monumento ao desperdício. Com horário a ser cumprido, percebemos que não poderíamos ficar nem mais um minuto naquela imaginária reunião de família e fomos embora.
Depois de lavadas as cerâmicas ainda esperaram um tempo razoável antes da nova vida. Um dia, lentamente, começaram a ganhar outras formas...
Ficaram felizes de estarem reunidas novamente. Em um contexto diferente conheceram novos materiais e juntos encontraram harmonia.
Como são fortes, durarão mais uma vida inteira protagonizando a sua nova história.
(Bandeja de MDF com mosaico de cerâmica, pastilhas de vidro e pastilhas de cerâmica. Peça disponível para pronta entrega na loja virtual).
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