O ano era 2004. Não fazia nem um mês que eu e o Luciano estávamos morando juntos e fomos viajar em família (com a família dele). Pisaria pela primeira vez em Portugal. Sabia que seria uma viagem muito emotiva, pois meu sogro, que era português e havia falecido há pouco menos de três meses, tinha alimentado o desejo de fazer aquele roteiro um pouco antes de descobrir a doença que o levaria para longe de nossos olhos.
Propositadamente, eu não havia nutrido expectativas em relação a nada. Sabia que aquela viagem não era minha, era do S. Manuel. E assim me coloquei na condição de folha ao vento, aonde todos quisessem ir, lá iria eu. Fazer isto em Portugal não é problema, pois em todos os lugares há coisas muito, muito belas para se ver. Tudo imerso em séculos de história que nos fazem entender nossa própria trajetória.
Após dez dias de viagem, quando o cansaço começa a aparecer, não há aquela tendência tão forte de todo mundo querer fazer tudo junto. Assim, após vislumbrar uma chacina suína na região da Mealhada (famosa pelos restaurantes de leitão à pururuca, argh!!!!), eu e o Luciano nos desgarramos do grupo e decidimos voltar para Coimbra, visitada brevemente pela manhã, a fim de ver mais história. Porém na estrada havia uma placa que indicava a cidade de Conimbriga e a assinalava como patrimônio mundial. Era curriculum mais do que suficiente para mudarmos a nossa rota.
Quando chegamos ao local, entendemos que tratava-se de ruínas de uma cidade que teria surgido no período pré-românico e perdurado até o século V d.C.. Encontrou sua extinção na vitória dos invasores bárbaros de então. Visitamos um museu que expõe os objetos encontrados nas escavações e, a seguir, visitamos as ruínas propriamente ditas. É absurdamente emocionante travar contato com algo milenar. Agora imagine o que ocorreu com esta pobre mortal ao ver que o pavimento no interior das casas era de......mosaico! No meu diário de viagem há a descrição de todo o lugar, dos balneários, das termas, dos aquedutos, do fórum e uma frase final: "tudo me causou um impacto muito forte, porém me apaixonei mesmo pelos mosaicos". Parafraseando o poeta, o tempo parou para eu olhar tudo aquilo. Foi como se a tarde tivesse umas quinze horas de duração e sabe aqueles buracos que temos na alma e que buscamos sempre preenchê-los? Foram todos tapados enquanto eu estava lá. Tinha uma sensação de plenitude e serenidade que pouquíssimas, raríssimas vezes pude experimentar.
A maior parte dos pavimentos que podem ser observados lá, data dos séculos III e IV.
São de policromia rica e desenhos variados.
Estes mosaicos foram descobertos em 1869 durante sondagens para construção de uma estrada.
À época, foram mal documentados e sabe-se apenas que o local do achado se encontrava "intra-muros".
Parte dos mosaicos de lá foi transferida para o Instituto de Coimbra o que fez com que pouco se soubesse a respeito do contexto que ocupavam na cidade. Outros foram cortados para ajuste de medidas, dificultando ainda mais os seus estudos. A análise de critérios estilísticos destas primeiras obras que foram removidas de Conimbriga, propõe que tenham sido feitas na primeira metade do século II.
Hoje quando vemos grandes painéis de renomados artistas pelo mundo afora, fica evidente a transformação desta arte ao longo dos séculos. Vemos expressões belíssimas em todas as épocas.
Contudo creio que não se faz mais nada parecido quanto ao nível de detalhes. Podemos gastar horas num julgamento infértil sobre quem faz ou fez os melhores mosaicos que podemos ver, mas esta não é a questão central. O inegável é que o desejo de beleza acompanha a humanidade talvez desde seu surgimento. E o que é melhor: somos capazes de concretizar estes conceitos nas mais diversas formas de expressão artística. Constatar isto me dá uma esperança imensa na nossa evolução, afinal só é possível produzir beleza se ela já estiver em nosso íntimo.
Muito legal Adri!
ResponderExcluirGosto de conhecer mais sobre a terra dos meus antepassados! Ainda mais sobre mosaicos! Demorou para você colocar essas fotos para a gente hein!? Amei! Enriquece muito o nosso conhecimento sobre essa arte maravilhosa!
Beijos e Parabéns!!!