Hoje vejo isto como uma forma de maldição. Muito frequentemente pessoas responsáveis, zelosas e inteligentes perseguem uma meta: a perfeição. Para todos os setores da vida a meta é a mesma. A família deve ser perfeita, a profissão deve ser perfeita, as amizades devem ser perfeitas, o lazer deve ser perfeito, a casa deve ser perfeita e até a tristeza segue o protocolo. Só até este ponto já temos informação suficiente para passar o Carnaval todo discutindo a questão.
Eu já pertenci a este grupo e hoje me considero em recuperação, com dolorosas recaídas eventuais. De antemão já posso dizer que buscar a perfeição é receita certa para sofrer. Por quê? A perfeição não existe! Ao menos não é acessível para nós. E nem deve ser.
Muitas vezes esta busca aparece vestindo outras roupas. Por exemplo a falta de tolerância a falhas. Às nossas próprias falhas e às dos outros, que sempre são piores. O obcecado por perfeição tem a certeza de que tudo é óbvio e se outro não percebeu é porque é muito burro. Aliás, aos olhos do perfeccionista, o planeta é habitado por uma vastidão de burros irresponsáveis, limitados e inconsequentes. E assim, por onde passa, o perfeccionista deixa emergir largamente o seu orgulho e a sua arrogância. No fundo tem um medo terrível de que alguém perceba que ele mesmo não é perfeito. O motivo de tanto medo é que está incapaz de aceitar as próprias falhas. Isto não é admissível. Aliás, inadmissível é assistir aquela pessoa relaxada e feliz (relapsa e boba, para o perfeccionista) conquistar algo que ele queria tanto. Aí dá vontade de sair correndo e pular da ponte. Como o perfeccionista não erra jamais, tudo que não está bom é culpa dos outros. Sim, o perfeccionista precisa sempre de um culpado, de uma cabeça para cortar. Todos são responsáveis pelas desventuras de sua vida, exceto ele mesmo. Pronto! A desgraça está feita. O mandamento número um do infeliz é não assumir a responsabilidade sobre a própria vida e o perfeccionista faz isso de uma certa forma. Além de gastar boa parte do seu tempo acusando os demais pela decadência da humanidade, gasta o tempo que sobra atolado em atividades que, sob seu ponto de vista, só ele seria capaz de fazer. Ninguém mais consegue atingir o mesmo resultado. Só ele sabe lavar aquele copo plástico como tem que ser.
Posso dizer que a vida de quem busca a perfeição é quase um inferno na Terra. A luz no fim do túnel envolve primeiramente a auto-aceitação. É aquela conversa batida de gostar de si com tudo de bom e de ruim, amar com sinceridade o pacote completo, entender que não ser excelente em tudo não torna você uma pessoa pior. Que cometer enganos faz parte do jogo, afinal aprendemos mais com os erros do que com os acertos. Mas para isso é preciso ter a humildade de reconhecer que errou. E a vida continua.
Deixar de perseguir a perfeição é um processo de libertação onde deixa-se de tentar ser uma máquina para passar a ser uma pessoa como todas as outras (este é um pavor do perfeccionista; ele não é igual aos demais, é melhor). É muito bom ser mais um na multidão, é maravilhoso não carregar o peso de uma responsabilidade irreal. E ainda tem um ganho a mais. Ao deixar para trás o medo de errar , passa-se a tentar coisas novas, a arriscar-se naquilo que antes parecia impossível. Se não der certo, o mundo não vai parar por sua causa e você terá acumulado mais uma experiência valiosa. Se der certo, você sentirá um contentamento que não imaginava existir, que nenhum rigor inquebrantável poderia te proporcionar.
Se a perfeição fosse possível para os humanos a ovelha Dolly teria durado mais, ou pelo menos não teria nascido com uma série de anomalias cromossômicas. Observe uma flor. Aquilo é perfeição. Tente fazer uma. Não dá. Já se consegue fazer uma cópia fiel em plástico e tecido, mas não tem vida. E isto tudo não é nenhuma novidade. Há até um poema, muito belo por sinal, onde o autor diz que se fosse possível viver novamente, cometeria mais erros. Então eu digo com veemência e como alguém que ainda se limpa da lama podre desta obsessão: você, que acredita que tudo tem quem ser impecável, relaxe um pouco, ria de si mesmo, delegue algumas atividades e vá vivenciar a sua personalidade verdadeira. Sei que você não deixará de lado seu senso de responsabilidade nem seu comprometimento. São valores já inerentes. Então não lhe falta nada para usufruir do que a existência oferece de melhor: o amor compartilhado e o aprendizado constante. Nosso planetinha precisa de pessoas alegres e dispostas, que extraem prazer das coisas cotidianas. Você ficará muito satisfeito em dar esta contribuição. Garanto!
Muito bom, Dri. Carregar este peso é uma opcao irracional. Só traz frustracao e cansaco, pois a perfeicao é um objetivo impossível de ser alcancado. Duro é nos darmos conta disto. Vou ler este seu texto umas duas vezes por semana. ;-)
ResponderExcluirBeijos,
Andrea