Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

E agora, Adriana?*

    A jornada até aqui foi muito diversa. Desde os tempos de mumificação egoica dos anos escolares, passando pela liquefação emocional da adolescência, pela autoenganação da juventude até o despertar dos sentidos na fase adulta. Quando fiz a transição do mundo ortodoxo para o mundo heterodoxo achei que a tarefa estava concluída, sendo necessários apenas alguns ajustes de quando em quando. Mania besta esta de supor que tudo foi entendido. A viagem para dentro de si é feita de curvas, curvas fechadas e por isso as surpresas nunca param de chegar, como tortas jogadas na sua cara.
    Se você ficar quieto no momento onde uma dúvida toma conta da sua mente, vai perceber a resposta pulando ali no canto. Às vezes é acompanhada de um luminoso intermitente. Ao olhar para isso, perceberá um resumo da sua vida, onde os momentos relevantes foram grifados com marca-texto. Sim, a resposta sempre esteve lá. Talvez sua constatação não seja confortável, mas a pergunta já foi respondida.
    O "caldo" mais recente que tomei foi a sentença de que dentro da profissão que escolhi, preciso seguir uma vertente. Preciso desesperadamente. Por quê? Porque não dá mais para fingir que não sinto uma torrente de vibração quando rodeio o mosaico contemporâneo. É muito nítido agora. Sabe quando você trava contato com alguma coisa e tem aquela sensação de que o que você pensa/sente não só faz sentido como acaba de ser legitimado porque tem mais pessoas que pensam/sentem como você? É isso! Depois vem aquele sentimento de não ser mais  aquela ervilha sozinha, esquecida no prato.
    O caminho de aprendizado e aperfeiçoamento que se desenha à minha frente não assusta, porque esta é a constante de qualquer coisa que se faça. O que me causa temor é que vou caminhando para o heterodoxo dentro do heterodoxo e não sei muito sobre a aceitação dessa vertente. Contudo acredito que fico destinada à mediocridade se não der a devida atenção a este chamado, que é tão honesto. Assim prossigo, sentido todos os calafrios que uma transição pode causar e a profunda e dolorida paixão de, a cada dia mais, poder ser quem eu sou.





*Alusão ao poema "José", de Carlos Drummond de Andrade


Tapetes amarelos.

    Naquela época, este era mais um dos "eventos" pelo qual eu aguardava com boa expectativa. Na reta final do inverno as árvores da rua, já com folhas novas, floriam loucamente sua pequeninas flores amarelo ouro. À chuva fraca ou ao vento desenhavam-se consecutivos e densos tapetes amarelos. Da calçada de casa era fácil observá-los ao longo da rua, até o final da subida sinuosa. Não havia muitos carros estacionados e os que havia ficavam integrados neste cenário de cor, cobertos também pelos tapetes. Ao se movimentarem, lançavam ao vento as florzinhas que iam contando pelo caminho que a primavera logo estaria ali.
    Numa tarde que não deixava dúvidas de que ainda estamos no inverno, a caminho dos Correios, fui surpreendida. Na rua menos agitada, nas raras calçadas espaçosas, estavam lá, dois tapetes amarelos. Afastei o guarda-chuva, olhei para cima e sorri em resposta às copas verdes, brilhantes, que balançavam suas espigas de florzinhas desesperadoramente amarelas. A chuva e o vento do dia fizeram a delicadeza de tecer aqueles tapetes amarelos, nostálgicos, fora de contexto. Diferente de antes, passei sobre eles. Não queria pisar nas flores, mas precisava sentir aquela fração de paisagem que me sugeria memórias tão reconfortantes. Claudicante que sou para acompanhar a tecnologia, não tive como registrar o cenário. No dia seguinte, como não chovia mais, os funcionários dos condomínios daquela rua prontamente desmancharam minhas memórias, atendendo à expectativa do time daqueles que chamam as flores no chão de sujeira.
    Nos dias que se sucederam à visão furtiva do passado, atinei meu olhar para as calçadas. Para não dizer que não vi mais nada, uma ou outra florzinha me acenou com timidez. Há carros estacionados por todos os lados em todas as ruas, as calçadas encolheram, várias árvores perderam seu lugar na cidade para espécies que não atrapalham os fios de luz...e que não fazem sujeira. As sobreviventes tentam, mas não há mais como tecer os mesmos tapetes amarelos.