Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

Nega do cabelo duro.

    Quando, na interação com estranhos, passam a me chamar de "senhora" e não mais de "moça" é indício que passou da hora de fazer o tradicional retoque das raízes. Para mim é como tomar remédio: não gosto mas é inevitável em determinadas situações. Com o desolador e assustador aumento do número dos cabelos brancos, esta tarefa mostrou-se impossível de ser cumprida em casa. Só os produtos profissionais dão conta do recado. Salão de beleza é para mim uma espécie de academia de ginástica, ou seja, não me identifico nem um pouco com o ambiente. Já que não há outra saída, ao menos tenho o privilégio de poder escolher dia e horário bem vazios para minimizar meu desconforto (sim, a coisa é mesmo grave!).
    Então lá fui eu, de livro em punho para evitar o atrofiamento cerebral com as revistas que são oferecidas por ali para passar o tempo. Depois de xingar até a quarta geração do desgraçado proprietário de um carro enorme, estas aberrações que são a predileção dos esdrúxulos, por ter bloqueado a entrada do estacionamento, cheguei no horário e fui atendida no horário.
    No lugar da meiga ajudante da cabeleireira estava um rapazinho que eu nunca havia visto antes. Com educação simulada, ostentava um olhar desdenhoso que dizia "eu sei tudo e vocês, ignorantes, me aborrecem". O pobre sujeito nem imagina o quanto precisará aprender para se equiparar à doce assistente que o precedeu. Enquanto ela era capaz de fazer a mais insone das criaturas cair em sono profundo durante a lavagem dos cabelos, este mocinho consegue acordar a múmia de Tutankamon. Ok, ok, vamos ter a paciência que ele não tem, já que a vida ensina tudo o que precisamos aprender. Depois de me chamar de "Dri" (Oi? Que intimidade é essa? Só porque quase me escalpelou?) se antecipou à cabeleireira, pegou o secador e sacudiu meu cabelos freneticamente, de forma que eu não enxergava mais nada. De repente parou, advertido pela sua mentora pela falta do difusor. O QUÊ? "Mas que porra é essa?" eu me indagava interiormente. Aquela criança presunçosa teve toda a certeza de eu desejava sair dali com os cabelos lisos. Lógico! Afinal o que fazem aqueles que tem cabelos encaracolados? Primeiro maldizem a genética e depois fazem uma progressiva. Notícia de última hora: EU GOSTO DOS MEUS CACHOS!!!!!! Sim, pessoa de gênero indefinido, eu gosto do meu cabelo, da minha juba, da minha touceira, desta samambaia castanha! Para mim, quanto mais volume melhor. Pode chamar de oitentista, não estou nem aí. Sim, cabelo encaracolado dá mais trabalho, é verdade. Precisa ser lavado todos os dias, usar produtos específicos, ter finalizadores para os dias secos e para os dias úmidos, secar ao natural em condições controladas de temperatura e pressão. Mas, justifico com a memorável frase do professor Rogério Brant: "viver bem dá trabalho e não temos problema nenhum com isso". Ponto final.
    Saí do salão aviltada, mais murcha do que um pinto molhado, cara de pastel amanhecido, cabelos lambidos totalmente sem personalidade. Um horror! Para minha sorte basta água para que tudo volte ao normal e no dia seguinte já era eu novamente, cabeleira desgrenhada, revolta, com votade própria. Fica disso tudo um aviso muito importante a quem interessar possa: não mexa com a juba de um leonino! Nunca!



Aletria no dia dos namorados.

    Não lembro quando passei do oito para o oitenta, do branco para o preto, da açúcar para o sal. Houve um dia em que desse muita importância ao dia dos namorados. Sentia até uma energia diferente no ar. Hoje? Ppff! Sinto compaixão pelos que gastam os tufos em busca do presente ideal, do jantar ideal, da noite ideal. Já entendi a razão da humanidade eleger datas para comemorar. Se não o fizer, fica tão absorta em seu magnético umbigo que esquece de olhar para quem lhe cerca. Isto sem falar na conveniência cuidadosamente planejada para o comércio.
    Acontece que o melhor presente que já dei à cara metade apareceu na minha frente num dia qualquer. E foi tão bacana que não pude esperar alguma data comemorativa. Identifico-me muito mais com isso, com tornar os dias comuns em especiais sem planejamento prévio. Em expressar paixão, amor, reconhecimento, admiração toda vez que sentir. Acredito que estas coisas é que fazem tudo valer a pena e não podem esperar por uma data.
    Pode ser também que eu não goste nada de ser mandada. Então se dizem que hoje é o dia dos namorados, eu digo que não. E não quero ficar na fila do cinema, na fila do restaurante e em nenhuma outra fila para comemorar nada. Não combina. Não gosto. Pior ainda se me colocam numa manada, fazer o que todo mudo faz sem saber a razão.
    Assim declarei a minha independência destes tipos de comemoração, inclusive do dia dos namorados. Ainda mais porque, se pensar bem, geram muita ansiedade nas pessoas. Acho pouco saudável e totalmente desnecessário. E vou dizer uma coisa: sinto um grande alívio em pensar que não terei que esquentar a cabeça com presente.
    Desta forma tive um dia normal, fiz tudo o que tinha para fazer, jantamos o que sobrou da sopa de ontem e também um omelete de claras já que as gemas usei para fazer Aletria cremosa, receita da Nina (perdoe-me querida, errei alguma coisa e, depois de fria, endureceu!). E sabe o que foi especial para mim? Testar uma nova receita. Gosto disso! Qualquer dia será pretexto para repetí-la, a fim de acertar o ponto, e aí terei mais um momento especial.


Décimo primeiro mandamento.

    Qual a sensação que se tem ao repetir um erro cometido não uma, mas algumas, várias vezes? Quer saber a minha? Raiva, muita raiva de mim. Raiva da minha estupidez, da minha falta de lucidez, da memória fraca, fraquíssima! Vergonha de só então lembrar, no filminho que passa na cabeça, da última ocasião onde jurei profundamente nunca mais cometer o mesmo erro, uma vez que já sabia que a contra partida não vale a pena. Decepção comigo em perceber que não aprendi o que já deveria ter aprendido. Desgosto em sentir o peito dilacerado, sangrando, por ter passado por cima dos próprios valores, do autoconhecimento, num brutal desrespeito a mim. Não, estas sensações não valem a pena. Sentir-me um engodo não vale o sorriso alheio, não valem a suposta paz social.
    Com a boca amargada pela autoagressão cometida tento vislumbrar a recorrência dos meus maus tratos. Pequenos, médios ou grandes, não importa, pois somam-se na alma que morre um pouco a cada episódio. O que nos impede de dispendermos um bom tratamento para conosco? Talvez entendamos errado a questão, já que amar-se não é mimar-se, satisfazendo os próprios caprichos, mas educar-se a fim de manter-se saudável em todos os âmbitos, principalmente, especialmente no quesito emocional.
    Então fica muito clara a origem do charco podre no qual estamos. Nós, a sociedade (sim, amigo, a sociedade somos nós e não um elemento externo e alheio - eu sou bonzinho, a sociedade é que não presta), não evoluímos porque somos incapazes de exercer a civilidade e outros tantos atributos necessários ao bem-estar com nossa própria figura. Impossível, então, despender um tratamento decente a outra pessoa. Impossível!
    "Amar ao próximo como a si mesmo" é mais do que uma conduta escolhida ou uma recomendação. É uma sentença que desvela nosso atraso. Lidamos porcamente com nossa questões pessoais e fazemos ainda menos do que isso com nossos iguais. Olhe a situação ao seu redor. O que vemos é fruto de pessoas (todos nós) que não conseguem se amar. Neste momento isto me parece nosso maior desafio. Se não conseguirmos entender a grandeza daquela frase, definitivamente não há salvação para nós, que continuaremos chafurdando em nossa própria miséria e indagando abobadamente "por quê?".