Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

Coleção Alcachofra

É interessante observar como os acontecimentos da vida são encadeados, não é? De um desejo de presentear, abri os olhos para as possibilidades que a tampa de uma lata podia me oferecer. A partir daquele presente, surgiu a oportunidade de fazer outro e então percebi que tinha condições de usar não só a tampa, mas a lata toda. Basicamente essa é a história de como nasceu a Coleção Alcachofra - uma série de seis pingentes de mosaico cujas bases saíram todas de uma lata de alcachofras em conserva.

O início destes trabalhos coincidiu com o início do isolamento, aquele momento no qual as dúvidas eram monstros enormes e sanguinários. Transformação era a palavra que pulsava na minha mente. Não a transformação vinculada ao futuro, para que o futuro seja transformado, mas a transformação no presente. O futuro nos foi tirado no momento em que percebemos que mesmo se fizermos tudo certo, não teremos certeza se haverá amanhã. O presente é que precisava (precisa) de transformação. Nosso cotidiano banal foi transformado. Ir ao mercado transformou-se numa operação que exige planejamento minucioso, atenção plena e uma sequência de medidas de desinfecção ao chegar em casa. Nos despedimos na marra dos significados que conhecíamos e estamos ainda tentando encontrar outros. O espaço antes ocupado por respostas, deu lugar a um vazio angustiante - não há mais respostas. Nada se sabe a não ser que há o hoje para ser vivido. Hoje. O momento presente é o que temos. Nos enfileiramos na beirada do abismo e seguramos naquilo que existe agora.

O meu agora era uma lata. Peguei a tampa, como na vez anterior, e fiz primeiro pingente.

Este foi o primeiro.
Ao terminá-lo senti que não era isso que queria ter feito. Não que existisse algo errado com ele, que é bem estiloso por sinal. Mas não era isso que eu precisava expressar. Então cortei o primeiro pedaço, montei uma nova base e fiz o segundo pingente.

Formas mais simples e cores mais suaves.
Ao terminá-lo senti que tinha limpado a mente de algumas interferências, mas faltava "eu" ali. Tesourinha na mão e mais um pedaço cortado. E se fosse triangular?


Era isso que eu queria!
Quando finalizei o pingente triangular senti que havia finalmente conseguido me expressar. Poderia parar ali. A tarefa estava concluída. Mas porque não continuar só para saber quantos pingentes poderia "extrair" da lata? Com a mente mais leve, cortei mais um pedaço. Um simples quadrado.

Para todos os mosaicos usei restos de cortes de outros trabalhos.
A lata ia chegando ao fim. Se estava fazendo experiências e deixando a mente andar livre, porque não ter um pouquinho mais de trabalho e compor uma base mais arredondada? Não existiria melhor momento para fazer todos os testes que quisesse.

O quinto pingente - nem círculo e nem elipse.
E fiz! Cheguei numa forma circular não definida e gostei. Aí achei que talvez tivesse perdido tempo fazendo pingentes de formas retas, que deveria ter feito tudo curvilíneo desde o início. Então lembrei que lá fora o mundo estava acabando e senti gratidão por estar dentro de casa, fazendo o que mais gosto de fazer e aprendendo algo novo (para mim).

Por fim, restou apenas o fundo da lata. Decidi dedicar o último pingente a mim mesma. Já que tudo era introspecção, busquei a inspiração em mim.

Um pouco com cara de mandala, um pouco com cara de sol.
Ao terminar os pingentes da Coleção Alcachofra, já limpava as compras do mercado com mais naturalidade e talvez já tenha memorizado com os olhos a medida de dois metros de distância. As dúvidas que se avolumavam ferozes para cima de mim (e de todos nós) continuam existindo, porém me habituei à essa presença e sei que ainda não existe algo para ocupar o lugar onde um dia existiam respostas. Tudo está fora da ordem, instável, incerto. A única certeza: estamos vivos agora. Talvez a gente já tenha o que precisa ter ou já saiba o que precisa saber.

Até a próxima!
Se houver uma próxima...
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