Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

É bom e todos nós gostamos.

    Na semana passada, meu primo Anselmo fez mais uma bela contribuição para nossas filosofadas por meio de seu comentário. Ele tocou em um assunto que é ponto muito relevante na existência de toda pessoa que deseja ser civilizada: o respeito ao ponto de vista alheio. Este é um daqueles assuntos cabeludos e embaraçados, pois exigir respeito é algo que todos fazemos de peito bem estufado, mas respeitar...aí já não é tão automático assim. Por vezes o modo de ser do outro chega a ser uma ofensa pontiaguda se analisada com nossas próprias lentes. Mas se estamos todos no mesmo barco (e estamos mesmo, acredite!), por que é tão difícil entender o mecanismo de raciocínio de uma outra pessoa? Bem, nossa individualidade pode se assemelhar ao labirinto do Minotauro e cada um de nós tem seus becos obscuros e caminhos sem saída, mas acredito que há aspectos básicos a todos nós que nos permitem fazer identificações com acontecimentos e sentimentos alheios. Este ponto é uma importante chave para o respeito. A conhecida (e esquecida?) empatia é um belíssimo exercício de civilidade. Ela não implica que você aprove todas as atitudes do outro, mas que percorra, de forma desapegada, o trajeto feito por aquele raciocínio para saber como funciona a sua lógica.
    Os mais diversos comportamentos e as opiniões que os acompanham não surgem por geração espontânea. São o resultado do meio em que se vive, da criação ou da falta dela, do sistema de crenças, do amadurecimento emocional, das experiências vividas, dos medos acreditados e tantos outros aspectos. Se conseguimos entender esta trajetória podemos compreender o comportamento daí resultante. A equação de causa e consequência se torna bem clara. Se você já consegue trilhar este caminho com facilidade, lembre-se que cada um de nós faz o melhor que pode dentro das suas possibilidades. Ninguém faz uma clara opção pelo que não é bom se conseguisse enxergar claramente como isto lhe prejudica. Fácil é apontar o dedo. Acolher o que é diferente, preservando seu espaço, e sinalizar que alguma coisa pode ser modificada para gerar mais bem-estar já não é tão simples. Isto é respeito e dá trabalho. Por alguma razão, que intimamente já sabemos, optamos primeiramente pelo que dá menos trabalho.
    Outro tropeço desrespeitoso muito comum a todos nós é exigir que os outros percorram um aspecto evolutivo em cinco minutos enquanto que nós levamos cinco anos para chegar naquele patamar. Ocorre que quando olhamos para trás e nos satisfazemos com nossas próprias superações esperamos que todos façam a mesma coisa. Nos esquecemos de como foi todo o processo de mudança e pensamos "se eu consegui, você também pode". Até aí tudo bem. Mas cada um tem seu tempo de aprendizado e rotular outra pessoa como "sem vontade" porque não age da forma como esperamos é um tanto injusto e até cruel.
    Respeito não passa perto e não deve ser confundido com condescendência. Esta, ao contrário do primeiro, não traz crescimento para ninguém. Respeitar envolve auto-conhecimento, esforço, amor verdadeiro e humildade que não se trata de enaltecer o precário, mas de entender que tudo aquilo que lhe faz rechaçar um comportamento alheio pode ser sentido exatamente da mesma forma pelo outro em relação a você. Ter consciência disso é fundamental pois deste ponto nascem (e crescem) duas vias muito distintas: uma de ódio mortal pelo que é diferente e outra do entendimento de que a soma das pluralidades é que torna a vida e o mundo tão especiais e estimulantes.


O Pau de Flor.

    Como já foi percebido até pela criatura mais alienada que por ventura tenha lido o que escrevo, muitas das minhas conclusões nascem da observação e da contemplação da natureza. Suas várias formas de manifestação me são magnéticas e admirá-las e tentar entendê-las traz um contentamento que não encontro em muitas outras atividades (aliás esta semana fui apresentada à flor de maracujá doce e digo com veemência: se você não a conhece, trate de fazê-lo! É uma das coisas mais lindas que já vi. Estupenda e inacreditável!). Pois bem, dirigia eu pela Av. Lucas Nogueira Garcêz um tanto embasbacada pela quantidade de estabelecimentos de saúde que se instalaram por lá. Onde há concentração de hospitais, clínicas e laboratórios há, consequentemente, concentração de pessoas carregando sacolinhas de exames com uma cara muito específica de bunda (uma bunda decadente e mal lavada). Esse cenário em um dia cinzento fez a localidade parecer uma sucursal do inferno. Mas como nem tudo na vida é depressão e medicamento tarja preta, fui salva pelo corredor de trólebus. Nos seus canteiros laterais foram plantados vários pés de Pau de Flor ou Manacá, que em tupi-guarani significa moça bonita. Na Serra do Mar há muitos e acredito que devam fazer parte da vegetação nativa. Talvez por esta razão decidiram plantá-los por aí. O fato é que agora estão todos floridos, pintando vários lugares de branco e tons de rosa, numa generosidade encantadora. No dito canteiro há vários pés, muito deles bem pequenos. Todos estão floridos, mas um chamou especialmente a minha atenção. Ele é muito pequeno, uma esquálida vareta com pouco mais de um metro de altura. Apesar da aparência tão frágil, estava entupido de flores na sua micro copa. É o típico caso do baixinho invocado que a gente tem vontade de olhar de cima e perguntar "o que você acha que está fazendo?". Mas aquela árvore anã estava totalmente alheia à sua aparência peculiar e dedicou-se integralmente a cumprir sua tarefa, sua missão. É época de florada? Então vamos a ela com toda a força. Ponto final. É evidente que o Pau de Flor não é dotado do mesmo aspecto mental que nós. Sorte desta árvore. Se ela pensasse poderia desenvolver algum complexo por ser tão pequena e estar em um lugar tão desfavorável, selvagem, agressivo e poluído. Talvez não florisse por se achar muito nova. Talvez sua mãe a levasse ao médico de Manacás para ter certeza de que sua estatura é normal para idade e saber se florir daquela maneira, ainda tão jovem, não seria o prenúncio de algum problema. Mãe e médico lamentariam a precocidade imperativa de nossa era e achariam que o mundo está perdido. Tudo isso porque a pequena árvore realizou a sua missão. Fez aquilo para que nasceu.
    Pergunto: e nós? Tragédia! Quanto drama, quanto entrave emocional, quanto questionamento que nos impede simplesmente de ser aquilo que somos, de vivenciarmos nossa verdade íntima. Acredito que em nosso âmago está muito claro a que viemos, mas não pode ser tão simples assim. Temos que nos preocupar primeiro com um sem número de dúvidas que vão desde "o que os outros vão pensar" até "mas porque que eu sou assim". Será que é por isso que muitas vezes a vida nos parece um fardo pesado demais, difícil demais? E porque não conseguimos simplesmente viver de acordo com nossa natureza? Por que não deixamos nossas respostas aflorarem? Bem, creio que cada um tenha uma teoria para seu drama pessoal, mas também acredito que temos uma questão a resolver no campo da auto-estima e da importância de nos amarmos com tudo de bom e de mau que trazemos em nossa alma. Uma parte grande de nós é natureza, pois todos juntos compomos algo muito maior. Em algum ponto, nós e os Manacás somos a mesma coisa. Nossa esperança de bem-estar reside em adormecer por alguns instantes esta insana e cultivada atividade mental que nos afasta de nós mesmos para que nosso íntimo (nosso Manacá) possa falar de forma audível e que possamos finalmente florir alegre e despreocupadamente.


"Alegria, alegria minha gente!"

    Imagine uma vida que tenha durado 102 anos! Uma das primeiras coisas que vem à mente é a quantidade de acontecimentos que essa pessoa testemunhou. Várias revoluções políticas, culturais e sociais, vários regimes governamentais, vários avanços tecnológicos e uma infinidade de outros fatos que mudaram o rumo da história do mundo. Mas, por um momento, pense sob o ponto de vista humano, algo pessoal e imagine os acontecimentos cotidianos de uma vida de 102 anos. Todas as pessoas que conheceu, todas as paixões que experimentou e tantas outras que testemunhou, quantas conclusões empolgantes, quantas novidades inebriantes pode ter. Quantas vidas gerou, direta e indiretamente, quanto carinho, afeto e amor teve a capacidade de semear, quanto bem pode propagar. E como tudo tem dois lados e um deles não tem flores, quantas decepções lhe amargaram a boca, quantos desencantos lhe eclipsaram o sol, quantas despedidas reduziram seu coração a pó.
    Somando a parte boa e a parte ruim, ambas certas e irrefutáveis na nossa existência, imagine quanto conhecimento foi possível adquirir ao longo de mais de cem anos. Quanto conhecimento dividido e, assim, multiplicado, quantos conselhos dados, quanta paciência e compreensão diante da inexperiência insurgente.
Tendo acompanhado pouco mais de 1/3 desta longeva existência, fico cabalmente admirada e só tenho uma palavra para descrever este processo: incrível! Quando se pensa em ciclo da vida não há melhor exemplo do que este e eu falo aqui da fileira da geração dos bisnetos, mais para o fundo do teatro. Daqui vejo que esta pequenina pessoa, que teve a audácia de viver por 102 anos fez, entre tantas, uma das coisas que mais admiro: ela foi um ponto de união. Se cada um de nós fosse uma semente ou uma conta ela certamente foi o fio que nos unia num reluzente colar totalmente heterogêneo.
    Imagino cá com meus botões o que testemunharam aqueles que se sentam nas fileiras mais à frente. Viram tudo o que eu vi e muito mais! Agora precisarão lidar com o buraco físico de um espaço que não é mais ocupado. Por sorte ou providência divina isto não ocorre em suas almas onde ela permanecerá derramando seu amor e suas histórias, seu bom humor e sua irreverência. As boas lembranças duram para sempre se assim desejarmos...
    Mais uma vez, como a evolução não pára, o espetáculo chega ao fim num sutil e esperado apagar de luzes. Poder olhar estes 102 anos e perceber suas ramificações faz-me reverenciar a Criação e entender que no dia de hoje presenciamos o verdadeiro milagre da vida.


A mesa posta.

    Tenho certeza de que aprendi isto com a minha mãe. Sempre que alguém nos visita é uma ocasião solene. Não no sentido da formalidade excessiva, dos gesto medidos e da conversa evasiva, mas da importância de dividir nosso lar com aqueles que nos visitam e fazer disso um momento especial. Não tem muito segredo, apenas coloque em cada detalhe a mesma atenção e o mesmo carinho que você tem para consigo no seu dia-a-dia. Cada pessoa terá a sua maneira particular de expressar o prazer de reunir em volta da sua mesa as pessoas que lhe são importantes. O meu começa com a arrumação da mesa. Na verdade esta é a parte da qual mais gosto. Primeiro escolho uma toalha, depois é a vez da louça, a seguir talheres e copos. O acabamento é dado pelo guardanapo decorado e pelas velas para aconchegar. O resultado final dependerá da ocasião, mas sempre tem que ser alegre e colorido. Isto pronto, vou para a cozinha. Durante todo o processo penso em quem está para chegar e imagino um sorriso no rosto de cada um ao ver que tudo ali foi escolhido para aquele momento.
    Acredito que a maioria de nós gosta de reunir pessoas em casa por motivos que vão além da diversão. Acredito que naturalmente gostamos de acolher, de cuidar e de dizer pelos meios mais diversos "eu gosto de você, fique aqui comigo e sinta como és importante para mim". Creio que nossa inclinação natural seja o amor e que criamos situações para evidenciar isto. Sempre nos reunimos pelo prazer de desfrutar da companhia uns dos outros. Não sejamos demasiadamente românticos para achar que a comida não tem lá o seu papel, mas ainda que falte ou sobre sal os momentos serão especialmente bons. Os melhores encontros não são aqueles que dividem nossas vidas em antes e depois, mas aquele que são ordinariamente agradáveis, possíveis de se repetir a qualquer tempo e que guardam aquela alegria cotidiana que sempre é bem-vinda. E por mais que exija um tempo que muitos de nós acreditam não ter, não há o que faça não valer a pena. Até a pia lotada ao final de tudo é um convite para já começar a lembrar os momentos recém vividos.
    Atualmente, sempre que conseguimos nos reunir, tenho uma sensação de dever cumprido e de privilégio concedido pois tudo parece caminhar na direção oposta. Todos tem seus afazeres, seus horários, suas lutas e, de uns tempos para cá, os percalços mais corriqueiros são amplamente utilizados para não se estar com as pessoas. As dores no pé, na cabeça, no estômago, as provas na escola, na faculdade, o exame de sangue, a limpeza do aquário, do carburador do carro, a espinha no rosto, o cabelo teimoso, tudo o que sempre fez parte da vida toma um ar de grande tragédia e vira uma desculpa bem esfarrapada para desfalcar a mesa. Uma pena. Tiramos aquele prato e mandamos as sobras num potinho. O que não dá para requentar depois é o conforto de compartilhar as vidas de todos nós nestes momentos. Vidas que, felizmente, não são perfeitas, pois se o fossem não gerariam momentos tão ricos.

 

Nossa louca natureza.

    Ser humano implica viver em sociedade. Nos organizamos em comunidades, civilizações e cidades. Cada qual tem suas preferências sobre onde convém estar: numa metrópole que não dorme, em uma cidade menor e com algumas opções, em pequenos vilarejos um tanto distantes e um tanto precários ou longe de tudo e de todos. Em cada opção há vantagens e desvantagens. A escolha dependerá unicamente do que você deseja obter do lugar onde vive. Confesso que até hoje não cheguei a um consenso sobre a melhor opção. A despeito de apenas ter certeza de que gostaria muito de voltar a morar em uma casa, tenho me reconhecido como uma pessoa urbana. Acho que aquilo que as cidades maiores podem me oferecer está muito relacionado aos meus anseios. Então me refestelo em opções e variedades, agilidade e confortos. O preço é o trânsito, a poluição, a aglomeração, mas parece que conseguimos nos adaptar muito bem a certas restrições. Só que, de tempos em tempos, algo lá dentro começa a chamar. De início podemos achar que é alguma ansiedade como tantas experimentadas. Só que mesmo depois de comer um doce, aquela pulguinha continua pulando. Em alguns momentos incomoda muito e em outros se comporta mais. Mas passar, não passa. Até que temos a oportunidade de sair de folga por alguns dias. Como é bom mudar de ares para a cabeça entender que é para descansar, escolhemos um lugar diferente daquele no qual vivemos. Então vamos lá para o meio do mato, longe de tudo e de todos, um lugar que só tem água encanada porque é lá que fica a sua nascente.  A tendência inicial é manter o mesmo ritmo da vida cotidiana até que vemos um passarinho muito colorido comendo fruta bem próximo a nós. Então acontece aquela cena que vemos em filmes, onde tudo passa em câmera lenta e há uma música de fundo, com a seguinte percepção: "nossa.....um passarinho.....que lindo.....olha.......ele está comendo.......nossa.......um passarinho comendo.....que lindo......olha........voou........olha....voltou.......é outro......nossa.......que lindo.......olha......outro passarinho........como será que chama........que lindo........meu avô iria adorar ver isso...........nossa......que lindo o passarinho.......o passarinho comendo..........na minha frente.......que lindo.........". E este momento slow motion acontece com as plantas, com as flores, com os cavalos, com o esquilinho, com o sol, com o vento, com céu, com as nuvens, com as estrelas (nossa.....quanta estrela.....nossa......que lindo.....já tinha visto tanta estrela......nossa......que lindo......), com o silêncio e então a mágica acontece! Aquele pequeno incômodo que te seguia por tantos dias, aquela pulguinha safada, sumiu! Aquele vazio impreciso no peito foi preenchido por tudo o que foi visto. O ser humano que antes sentia-se incompleto agora percebe-se pleno por ter compartilhado da natureza em abundância.
    Isto pode parecer uma percepção fantástica, mas é na verdade muito básica. Nós e o mundo no qual vivemos somos uma coisa só. Muito tempo longe da natureza e das suas manifestações nos afasta de nós mesmos. Então nos sentimos aquém da satisfação e buscamos no trabalho, na comida, nas relações a tampa deste buraco. Seria como tentar encaixar um triângulo em um círculo e segue-se com uma leve frustração.
    Acredito que viver em cidades não deveria excluir automaticamente este convívio tão essencial com a natureza e também creio que esta é uma tarefa individual, num primeiro momento. Cada pessoa pode cultivar um jardim, seja ele do tamanho que for possível. Imagine se cada família, sem exceção, cultivasse um jardim. Não te parece que teríamos mais flores por aí? Mais beleza, mais delicadeza, mais sutileza, mais afeto? Esta é a ação mais primitiva que podemos fazer para acalmar a pulguinha. Depois disso podemos cultivar o consumo consciente para fazer com que a natureza que ainda existe continue ali. Esta é uma ação e tanto e exige civilidade e maturidade, coisas de quem tem amor próprio. O fato é que não podemos e não devemos esquecer ou suprimir este chamado tão legítimo. Precisamos comungar mais e mais com este preceito criador para avançarmos na nossa singela evolução.