Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

O dia em que fiz um cinzeiro.

    Todos nós estabelecemos uns limites na vida. São margens de segurança. Até ali: tudo bem. Depois dali: hum, não sei não, não é melhor voltar? E vamos vivendo nossos dias dentro da nossa zona de conforto. Estes limites podem surgir a partir de questões financeiras, físicas, emocionais, éticas, morais e o que mais você quiser acrescentar. O fato é existe tensão sempre que vamos cruzar esta fronteira. Algumas vezes por uma opção bem clara e definida. Outras vezes porque fomos engolidos por uma avalanche que passou sobre nós e nos arrastou para bem longe de onde queríamos estar. Ou ainda por algum outro motivo que você possa vislumbrar entre estes dois extremos.
    No meu caso foi o primeiro extremo: uma opção clara e definida. Meu limite no trabalho envolvia uma certa restrição de temas. Esta restrição obviamente seguia a simples noção de que o que é bom para mim é bom para todo mundo. Aos poucos vi que o negócio não podia ser lá tão radical e fui fazendo algumas concessões (e tendo alguns arrependimentos) ao longo do caminho. Esta experimentação, percebo hoje, é crucial para o auto conhecimento. Muitas vezes o inconcebível não é exatamente aquele monstro tão horrendo.
    Foi mais ou menos isso que tive que degustar na última encomenda: um cinzeiro. Veja bem, minha dificuldade ali não estava restrita ao fato de eu não fumar. Minha dificuldade começava no fato de que ODEIO cigarro. Posso detectar com precisão se há alguém fumando num raio de 2 quilômetros, a fumaça do cigarro me causa uma dor de cabeça quase instantânea e o cheiro do cigarro para mim é um blend de vômito com CC. Em relação aos fumantes, eu me comporto bem próximo de uma personagem do humorístico "Amada Foca" (veja o vídeo aqui). Só que, e aí é que começa a diversão, o pedido partiu de alguém que respeito muito e que pertence ao grupo daqueles que realmente entendem o meu trabalho. Isso, por si só, foi o suficiente para derrubar o meu limite. Eu disse que nunca havia feito um cinzeiro na vida, expliquei que não fumava e logo não saberia diferenciar um bom cinzeiro de um cinzeiro precário. Sem problemas! Recebi a lista das características de um bom cinzeiro, a saber: 

  • Que não seja pesado para que possa pegar e levar pra todo canto da casa (fumantes fazem isso se não tem um cinzeiro que mora em cada cômodo da casa)
  • Que seja prático de lavar.
  • Que seja grande o suficiente para caberem muitas bitucas, sem ter de ficar esvaziando toda hora porque não cabe mais.
  • Que seja fundo o suficiente para que as cinzas não fiquem voando se passar um ventinho.
  • Que tenha ao menos 2 apoiadores de cigarro que de fato segurem o cigarro.

    Ok! Só que antes de começar tinha mais uma coisa que me afligia: a culpa. Sim, eu estava convicta de que fazer um cinzeiro era o mesmo que dar uma garrafa de pinga para um alcoólatra. Um ato nada cristão. Dividida entre a vontade de cruzar uma fronteira (sim, sempre temos uma vontade oculta de cruzar uma fronteira apesar de toda tensão e etc e tal)  e a culpa, fui dividindo meu dilema aqui e ali. Depois de algumas conversas entendi que ninguém passaria a fumar ou fumaria mais por causa justamente do cinzeiro que eu fiz. Tudo bem, mas e o meu preconceito? Bom, aí precisei de mais um tempinho comigo mesma para concluir que algumas pessoas podem ter um vício em substâncias químicas e outras tantas podem ter um vício em sentimentos ruins. Um pessoa que não fuma, não bebe, não fala palavrão pode ser viciada na arrogância ou na inveja ou no ciúme ou no ódio ou na mortificação ou no medo. Tudo isso também destrói o organismo. Tudo isso também prejudica a saúde de quem está perto. No apagar das luzes ninguém é melhor do que ninguém. Todo mundo, sem uma única exceção, tem seus defeitos e suas qualidades. Então o cinzeiro foi feito.