Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

Amor pela metade

    Acho que o tema é repetido, mas nossas contendas são assim mesmo. Gastei várias horas de vários dias pensando em quando me senti bem com a minha imagem. Se eu fosse Jack, o estripador, estaria tudo certo pois gosto de uma coisa aqui, outra ali, outra acolá, mas unindo os pontos não dá uma pessoa inteira. No meio das elocubrações, 80% delas descartáveis, me perguntei se isso nunca vai ter solução. O que acontece, mais precisamente, é que a imagem do espelho não reflete fielmente a maneira como me sinto. Não mesmo! Sem saber o quão grave isso pode ser, fiz uma pergunta muito importante a mim mesma: por que eu como mais do que preciso? Dá para derivar por um milhão de caminhos e cada um deles terá uma resposta pertinente. Talvez todas essas vertentes se encontrem no nosso corpo emocional subdesenvolvido, totalmente stupidificado, mal formado, uma besta voraz. Não consigo compreender como dia após dia, ano após ano, década após década, cada um de nós atenta contra o próprio bem estar. Tenho certeza de que não estou sozinha nisso e sei que cada um se fere em algum momento com algum instrumento de qualquer natureza. Não esqueço quando, no meio de uma conversa sobre tudo e nada, um sujeito percebeu que eu não tomava bebida alcóolica. Quis saber se era algo passageiro ("está tomando antibiótico?"). Expliquei que há tantos anos decidi não ingerir mais álcool. Por quê? Porque me faz mal (este foi o motivo da época, hoje posso fazer uma lista e falar horas a respeito). O sujeito cruzou ou braços, franziu o cenho, entortou a cabeça e disparou: "mas como você faz para se divertir?" Então ele explicou que considerava impossível divertir-se sem ingerir álcool. Tirando o fato de que esta foi  uma das coisas mais tristes que já ouvi na vida, me vi absorta pensando no números de encrencas que o sujeito já havia arrumado para si por estar bêbado, ficar inteiramente revoltado com estes problemas mas não deixar de beber. Acho que faço a mesma coisa. Só que o meu vício é outro. Se a causa e a consequência parecem tão claras, qual é a dificuldade em exterminar a primeira para não ter mais a segunda? Ansiedade. Ok. Angústia. Tá. Solidão. E o que mais? Tudo bem, pode haver um sem número de sentimentos que nos desequilibram, mas por que ele dominam? É por isso que não aceito as fórmulas mágicas. Elas miram nas consequências e não nas causas. No meu exemplo próprio, comer a mais já é uma consequência. Os quilos a mais são consequências das consequências. 
    A minha frustração surge porque há aquele pontinho lá fundo que me diz "poxa, você merece mais do que isso". Sim, sinto que eu, você e todo mundo merecemos nos sentir radiantes, plenos e trasbordantes de energia. Sinto que nós não devemos mais ser reféns de nós mesmos e não tenho a menor idéia de como fazer isso, porque teorizar toda esta história não resolve os momentos cotidianos.
    Hoje me dispus a não comer nenhum doce. Só por hoje. Vamos ver. Até agora, 15:53, a minha louca interna não atacou. Não sou favorável de coisas radicais, mas neste momento parece que se eu não experimentar o rigor não conseguirei mergulhar fundo na podridão que me sabota. A intenção seria extender isso por muitos dias e encarar a abstinência bem nos olhos. Em algum momento terei que desenvolver um amor melhor por mim. Vamos ver...o que não quero mais é experimentar o sabor amargo da minha derrota pessoal, do emocional claudicante, da covardia autodestrutiva.

(incensário com gavetas)


Em agradecimento.

    Acho que foi há uns quatro anos que pedi aos amigos e parentes que, na ocasião do meu aniversário, trocassem as felicitações por uma boa ação. Valia qualquer coisa dentro do esquema "aquilo que o seu coração mandar". Alguns me contaram depois as escolhas feitas e achei um grande barato perceber que todo mundo voltou o olhar, a emoção, o tempo para uma pessoa. Alguém poderia, por exemplo, recolher o lixo do chão de uma praça próxima. Contudo a maioria optou por cuidar de alguém das mais diferentes formas que você possa imaginar.
    Faz muito sentido este senso interno de se ligar à necessidade do outro, num processo empático e profundo. Isto é tão natural que automaticamente somos invadidos por uma sensação de bem-estar quando fazemos algo por alguém. Sim! Praticar o bem faz parte daquilo que somos!
    Espremendo a memória para buscar quando experimentei esta sensação pela primeira vez, achei um eposódio que me marcou. Lembro que separei alguns briquedos para levar a umas crianças de uma família assistida pela Sociedade São Vicente de Paulo. Meu pai é Vicentino há 326 anos e, quando eu era criança, me levava a algumas das visitas que faziam às famílias carentes. Eu já tinha visitado aquelas crianças uma vez, então a ação tinha um rosto. Escolhi os briquedos que já não eram prediletos e uma bonequinha que ainda era querida, mas como eu tinha tantas e aquelas meninas nenhuma, me senti convicta de que deveria doá-la. No dia da visita a minha expectativa era grande, queria ver o tamanho da alegria gerada pelos brinquedos. Se as crianças gostaram? Sim. Vibraram? Não. Uma das meninas pegou a bonequinha, aquela, e colocou dentro de uma gaveta, junto a outros briquedos sujos e faltando partes e me chamou para brincar (sem briquedo nenhum) fora do barraco. Fiquei frustrada, com saudade da bonequinha, com vontade de pegá-la de volta e com vergonha de sentir isso. Na época foi tudo o que consegui metabolizar do fato. Hoje acredito que isto ilustra muito bem a máxima que ensina a fazer o bem e ponto final. Faça o bem porque você vai se sentir bem, pois o que vai acontecer com quem recebe nós não controlamos. Ah! E, mais importante, não faça nada esperando qualquer coisa em troca. Muitas vezes o que é dado não encaixa na necessidade do momento daquele que é beneficiado. Não é que aquilo não lhe será útil, mas naquele instante a pessoa enxerga outra prioridade. Só agora percebo que a menina preferiu brincar comigo, que estava lá naquele momento, do que brincar com a boneca recém herdada.
    Outras tantas vezes pude sentir aquele calor no peito de quem está salvando o mundo, como quando passei a separar o lixo reciclável, quando consegui ensinar isto a umas duas pessoas, quando recolhi cocô de cachorro sob os olhares de nojo de quem estava passando, etc. Mas o que teve significado mais forte foi doar sangue. A primeira vez foi aos 19 anos, primeiro ano de faculdade, numa campanha para ajudar a mãe muito doente de um aluno que precisava de nada menos do que 14 doadores. Depois daquele dia fiz doações aqui e ali, mas só me tornei uma doadora assídua há oito anos, quando me cadastrei em um banco de sangue que não espera você lembrar que pode doar. Eles ligam sempre que há necessidade, ou seja, sempre. Foi ali que comecei a doar plaquetas e hoje faço muito mais esta doação do que a de sangue, ainda mais porque a periodicidade pode ser muito maior. Hoje sinto como uma obrigação moral. Acho indecente, ingrato não fazê-lo. Olhe para nós: qual grande problema temos? O que acontece nas nossas histórias acontece na de todo mundo e isto se chama vida. Então, se você reune as condições necessárias para ser um doador não perca tempo esperando as condições ideais de temperatura e pressão. Levante as mangas! Claro que tudo não é assim lindo e maravilhoso. Tem aquele questionário deprimente: tem tatuagens? Não. Piercing? Não. Já esteve na África? Não. Já esteve preso? Não. Usa ou já usou drogas injetáveis? Não. No último ano fez sexo com desconhecidos? Não. Já morou em área rural? Não. Possui comportamento de risco? Não. Já...tudo bem Adriana? Não. Acabo de perceber como a minha vida é sem graça! Ah, mas pelo menos você poderá ajudar de 7 a 14 pessoas com a sua doação. Quantas? É, então valeu a pena meu esforço para não ir em cana por fazer sexo com um monte de gente enquanto fazia tatuagens nas áreas rurais da África.

Minha sugestão? Você pode doar AQUI




Calma.

    Meu maior inimigo no trabalho (ou seria na vida?) é a ansiedade. Aquele afobamento sem razão, a pressa em ver os resultados, a energia gasta colocando o carro na frente dos bois. É como uma picada de mosquito, daquelas que dão alergia e parecem uma bolacha na batata da sua perna, coçando a todo instante e tirando o seu foco.
    Então, além das limitações técnicas, sempre aparece aquele detalhe, às vezes não tão pequeno, que eu olho e me pergunto: "em que momento deixei isto passar?". Resposta: no momento em que estava ansiosa, quase louca, fazendo as coisas sem pensar no que fazia.
    Para o meu consolo, já ouvi de colegas bem mais experientes do que eu que a ansiedade compromete a qualidade do trabalho. Ah! Que bom que não sou só eu! Ai! Será que mesmo depois de vinte anos de estrada continuarei assim, descompensada? Talvez.
    Olhando para tudo que já fiz, pude mesmo constatar que as peças que mais me agradaram foram aquelas produzidas sem um fim específico, sem querer agradar a ninguém, aproveitando a brecha entre uma encomenda e outra. Encomendas com prazo bem folgado também saíram melhor. Não é uma regra, mas dá para observar um padrão. Então, como exercício de auto-observação, parti para uma luminária com o compromisso de parar tudo ao primeiro sinal de surto ansioso. Ela vem surgindo mais lenta do que o normal, mas o bom disso é que consigo identificar melhor o que é resultado de falta de aprimoramento técnico, posso identificar especificamente as minhas dificuldades e consequentemente buscar o caminho das soluções. Antes não conseguia saber o que era o que, e rodava no "mea culpa" sem concluir nada de útil. Só espero conseguir manter este diálogo interno até o final desta peça. O próximo desafio é extender o comportamento para tudo o que fizer. Mas, se me permitem o trocadalho, será um pedaço por vez.