Olá!

Aqui você encontra vários tipos de textos com reflexões, introspecções, filosofadas e relatos, tudo sob a luz do mosaico. Desejo inspirar você com a mesma arte que me inspira.

Heimweh

 Habitar um lugar com quatro estações envolve lidar com um certo nível constante de desespero. Pelo menos é assim que sinto. Não se pode fazer qualquer coisa a qualquer tempo porque o clima é quem dá as cartas. Isso significa, minha amiga, meu amigo, que ao primeiro sinal de temperaturas mais altas, o surto coletivo está decretado. Verão é o momento onde todos estão em todos os lugares fazendo tudo que conseguirem fazer. Então, após disputar a tapas e pontapés os dias de férias, rumamos para Eisenach.

Essa pequena cidade (pequena, mas três vezes maior do que Herrsching) no estado da Turíngia é destino de turismo local. Além de ser a cidade natal de Bach, é onde se encontra o Castelo de Wartburg, lugar no qual Martinho Lutero traduziu o Novo Testamento do latim para o alemão. Mas o motivo de nossa viagem não teve relação com música ou religião...pelo menos não essa. Eisenach abrigou a AWE - Automibilwerk Eisenach (1898-1991) - empresa que fabricou o carro Wartburg entre 1956 e 1991. Com a reunificação entre as Alemanhas, a produção foi descontinuada e a fábrica fechada. Está aí a origem do motivo desta viagem: ver um monte de carro velho, digo, antigo. Ver lindos e bem conservados carros antigos!

Existe lá um autoclube que se dedica a preservar a história daquele carro. A motivação deles é tal, que conseguiram em 2005 montar um museu dedicado aos carros produzidos pela AWE em um dos prédios da antiga fábrica. Além disso, promovem anualmente um encontro onde compartilham não somente a afinidade automobilística, mas também por um estilo de vida que se extinguiu com a reunificação das Alemanhas. O nome do autoclube e do encontro é "Heimweh". Esta palavra pode ser traduzida como saudade de casa, saudade da terra natal, nostalgia. Um significado que conheço profundamente.

Fomos ao tal encontro. Eu esperava ver centenas de Wartbrugs em todas as variações possíveis e de fato vi. Mas o que eu não esperava era ser recebida de forma tão generosa pelas pessoas do autoclub, em especial pelo seu fundador Enrico Martin. E aí, meus amores, fez aquele contraste colossal com a vida cotidiana. A gente vai se acostumando com algumas coisas que não são boas na mesma medida em que vai esquecendo de como a vida deveria/poderia ser. E vou te dizer: é muito bom sentir-se bem-vindo, ser acolhido, sentir-se parte...ainda que de forma passageira. Fiquei tão impactada com isso que quis retribuir de alguma forma. A forma que eu tenho, normalmente, é através do mosaico. Dentre as possibilidades, escolhi o nome do evento, a palavra que ecoa tanto em mim, nosso ponto em comum.

Do site do evento peguei o modelo para o mosaico.



E fiz esta placa para presentear o casal de anfitriões.

Para compor as bordas e as letras do mosaico usei pastilhas do tipo Cristal. Para o fundo, pastilhas de cerâmica que só a torquês Montolit dá conta de cortar. A disposição das tesselas, criando estas listras verticais, me levaram a uma viagem pelas memórias das estações de metrô de Berlim e suas cerâmicas tão características.

Saudade é essa coisa dúbia. É doída, pode causar tristeza, mas nasce de algo muito bom que ficou no passado. É ruim, mas é bom...é bom, mas é ruim. Independente de como a gente consiga se relacionar com ela, acho que o ponto pacífico é: não sentimos saudade do que foi ruim. Coisa ruim a gente deixa para o tempo sepultar. Ou fermenta no ódio, como no meu caso.

Até a próxima!
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O olho que olha

 As famosas placas de ferro do Sr.Walter foram base para muitos dos meus trabalhos ao longo dos anos. Bateu uma saudade daquela época, das visitas periódicas para comprar mais placas e da acolhida que sempre recebi na casa deles (a D. Marta, esposa do Sr.Walter, é parceira de primeira linha nos negócios). Sempre havia papo, contação de história e visita à horta. Sempre havia uma caixa de legumes e verduras para eu levar junto com a encomenda de placas. Na verdade eu queria reviver aqueles tempos, quando em mim havia ainda um pequenino reduto de inocência que se extinguiu nos anos que vieram.

A saída para este tipo de banzo foi fuçar a prateleira dos materiais. Minha mémória dizia que em um dos nossos reencontros eu tinha voltado com umas duas placas na mala. Era isso mesmo. Achei-as ainda com a embalagem de espuma. O formato elíptico e os arabescos me fizeram revisitar toda a dinastia de Olhos Gregos que já fiz. Eu os adoro. Não sei porque. Apenas adoro. Mas não queria fazer um amuleto. Então fiz apenas um olho com stained glass, outros tipos de vidro e dois pinguinhos de espelho.


Terminei e vi este olhar vago, um tanto sem vida. Parece que não julga, parece que sequer presta atenção no que está a sua volta. Apenas olha, absorto em outros mundos. Está cansado, exausto, insone. Entrega-se ao olhar do observador sem fazer muita questão de interação. Ainda assim, sustenta o olhar, não se desvia, não foge, permanece.

Uma vez pendurado, olho-o de vez em quando. Se paro e ponho reparo, começo a pensar nos olhares que não são de vidro. Quanta coisa cabe ali! Um universo de palavras não ditas ganham o mundo jorradas pupila afora. E aí não tem como ocultar o que vai na alma, na cabeça, no coração, na índole. Impossível. A boca falando e olhar desmentindo ou confirmando. Que riqueza há nisso, não é?

A parede de mosaicos ganhou mais um item e o meu banzo não foi exatamente solucionado. Faz parte. Uma coisa me consola: enquanto o passado acontecia, eu sabia quando estava bom. Prestava atenção, curtia e agradecia. 



A gente se vê na próxima.

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Casamento, gratidão e porta-retratos.

 Foi em meados de dezembro passado que recemos o convite para o casamento que aconteceria dentro de um mês e meio. Na Índia. O quê? Sim, na Índia! Nunca achei que isso fosse me acontecer. Mas já que aconteceu, lá fomos nós animados e ansiosos, muito ansiosos. Para mim, dentro do meu universo particular, foi a experiência mais interessante que já tive. Uma mistura de chocante, fascinente, surpreendente e encantador. Foi onde provei as melhores comidas da minha vida, vi as roupas mais belas que nunca imaginei ver e conheci uma hospitalidade ímpar. Em conversas com familiares do noivo (que foi quem nos convidou) eu agradecia pelo convite e por ser tão bem recebida. Ao meu agradecimento eles diziam ser um honra para eles termos ido de tão longe para participar do casamento, era uma honra poder nos mostrar um pouco da cultura local. Nessa troca de gentilezas, sem dúvida nenhuma eles ganharam. Não consigo lembrar a última vez que fui tão cuidada e paparicada...e como foi incrível testemunhar e participar das celebrações que compõem um casamento ao longo de seis dias. Isso mesmo, são seis dias de casamento.

Em meio a tudo que acontecia, reparei que aquela onda de afeto que nos cobria foi limpando e cicatrizando algumas feridas abertas há tempos. Nossa presença ali era celebrada, ao contrário do que acontece aqui. Então percebi que, ao longo dos últimos anos, nos acostumamos com uma série de coisas que não nos fazem bem, que nos adoecem, que tiram o brilho que a vida pode ter. Nos acostumamos com coisas que não deveríamos nos acostumar. Ao ir para um casamento tão diferente de tudo que já vi, esperava qualquer coisa. Só não esperava um tipo de cura, porque curar com afeto não é qualquer coisa, é muita coisa.

De volta à pálida rotina, senti vontade de agradecer. E assim fiz dois porta-retratos, dois pedacinhos de mim. Um para os pais do noivo e outro para a tia Nimmi, cuja doçura e generosidade eu jamais vou esquecer.


Este fiz pensando na tia Nimmi.



Este foi para os pais do amigo que casou.

Ás vezes me pego pensando em todas as curvas que a vida deu para que isso acontecesse. Todos os caminhos que se cruzaram até culminar naquele momento com aquelas pessoas. O destino pode ser misteriosamente intrigante e belo, não pode?

Até a próxima!
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Vizinhança, vasos e apego.

 O diagrama é o seguinte: a vizinha, que agora é vizinha minha, tem uma vizinha de quando não era vizinha minha. Passada a fase de reclusão da pandemia a ex-vizinha da agora vizinha minha decidiu festejar o próprio aniversário em grande estilo. Comemorações especiais pedem presentes especiais, certo? Foi então que a vizinha, a minha, me pediu para fazer um presente para a vizinha, que um dia foi dela (parece que uma vez vizinha, sempre vizinha).

Ponderamos juntas o que caberia para a ocasião. Algo marcante, que pudesse estar sempre em uso, ser sempre visto. Então decidimos por um par de lâmpadas-vaso, onde a lâmpada maior media 14 cm de altura e menor, 11cm. Para o estilo me foi dada carta branca. Isso seria a certeza de que o resultado teria um aspecto completamente diverso da estética local, afinal, para que servem os amigos estrangeiros senão para apresentar lampejos de um outro mundo?

Abri a porta de um universo onírico só meu e dali peguei o que precisava. Durante o trabalho fui contemplando meus desejos, cada vez mais, e um apego foi surgindo ali. Um desejo de posse ou de proteção, não sei. Fato é que quando os dois pequenos vasos ficaram prontos fiquei com muita pena de deixá-los ir, pena de irem para um local onde não fossem totalmente compreendidos. Cogitei recusar pagamento e pagar para não entregar. Pareceu racionalmente absurdo, ainda que emocionalmente plausível. Acabei por cumprir o combinado, ficando com a consciência tranquila e o coração ruído. Esta dor vem da percepção que tenho de que eu e os teutões da região que hora habito, temos sensos estéticos diametralmente diferentes. Isto significa que a pessoa presenteada jamais, nem vivendo mil anos, verá ali o mesmo que eu vejo. E isso me parece um desperdício sem propósito. Mas...isso não é problema de ninguém, a não ser meu. Eu que resolva minhas dores na terapia.

Esta é a lâmpada-vaso maior.

A parte lateral.

A parte de baixo.

A lâmpada-vaso menor.

A parte de trás.

A parte de baixo.

A transação foi realizada conforme o combinado. A vizinha, que agora é minha, gostou do que comprou. Resolvi pensar que isto basta e não perguntei se a ex-vizinha, a que foi presenteada, ficou feliz com o presente. Se a resposta fosse negativa, eu sofreria e teria vontade de ir até ela resgatar os vasinhos. Se a resposta fosse positiva, seria insuficiente para diminuir o abismo colossal que abrange nossas visões de mundo.

É...parece que apego e sofrimento caminham lado a lado.

Até a próxima!


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