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Raízes pronfundas.

    O último dia do ano costuma ser emblemático para a maioria de nós. Uns, desde cedo, já começam com um rojão aqui e outro acolá, como arrotos ao vento, anunciando sua expectativa e ansiedade. Outros não perdem a oportunidade de fazer as piadas de reveillon ("é a última vez que eu vou comer/beber/tomar banho/etc. este ano") que serão fatidicamente repetidas no dia seguinte ("ainda não comi/bebi/tomei banho/etc. este ano"). Outros vão conferindo seu check list para ter certeza de que tudo está em ordem. Sabe- se lá que mau agouro está reservado para os que iniciam uma nova volta ao redor do sol com alguma pendência. O curioso é que muito pouco pode ser feito naquele último dia, mas o que manda é a sensação, sempre ela.
    Quanto a mim, com um pouco menos de mau humor em relação ao ano anterior, fui plantar a muda de babosa que ficou um bom tempo em um balde com água esperando um lar. Como isso não ocorreu, o jeito foi colocá-la na terra, em um vaso feito a partir do próprio balde (reutilização, pessoas!!!!!) com as devidas furações para drenagem da água. Isto feito constatei o que vejo aqui todos os dias: não temos espaço. Para amenizar a triste cena de uma favela de plantas, percebi que teria que podar e arrumar os demais vasos para que o todo se tornasse mais aceitável. Assim passei muitas horas do último dia do ano cortando daqui, replantado ali, afofando lá. Além de constatar que a posição de cócoras favorece a lembrança do jantar da noite anterior, também achei que a minha mão bem suja de terra lembrou muito a mão do meu avô e senti um orgulho sem saber exatamente do quê.
    Porém, e sempre há um porém, teve algo que me incomodou demais. Quando comecei a podar, reparei que este costume sucessivo fez com que existissem grossos talos que já não tinham vida além de várias raízes mortas. As plantas novas haviam crescido muito na superfície, com raízes frágeis, sem conseguir penetrar e usufruir da terra que estava à sua disposição. Percebi que para ficar correto precisaria refazer todos os vasos. Na hesitação do faço-não faço, surgiu na minha mente uma parte da letra da música "Drão" do Gilberto Gil que diz "tem que morrer para germinar". Resposa dada, comecei.
    Constatar a situação precária dos vasos me empurrou logo para minhas analogias. Dizem que aquilo que nos incomoda muito é na verdade uma característica nossa, interna. Superficialidade sempre me incomodou. Nunca gostei de quem não vai fundo nas questões, de quem aprecia uma cortina de fumaça, de quem vive de lazer em lazer, de quem só vive na ilusão da vida alheia, enfim, de quem se distrai com qualquer pretexto porque se olhar no espelho dá trabalho. Se aquela suposição é verdadeira então eu sou superficial. Caramba! Fiquei ali trabalhando numa mistura de  decepção comigo e vontade de fazer direito. Busquei na memória quantas podas erradas já fiz que resultaram em raízes superficiais. Não sei se encontrei pontos nítidos, mas, envergonhada, lembrei de algo que sempre defendi: deve-se fazer aquilo que precisa ser feito. Ponto. O trabalho para consertar é o mesmo (ou maior) do que o exigido para fazer certo da primeira vez.
    Os vasos ficaram muito bons. A sacada ficou com uma carinha mais arrumada ainda que o baldão com a babosa se destaque, um tanto desarmonioso. Pelo menos a muda ainda vive. Eu é que não fiquei com carinha de remediada. Acredito que uma expressão glútea tenha acompanhado meus sorrisos amarelos no resto do dia. O fato é que precisarei  utilizar todas as minha ferramentas para o meu próprio replantio. Não quero eu incorrer na superficialidade, seja ela qual for, que tanto me incomoda. É hora de meter as mãos na terra e deixá-la fecunda. Não me reconheço sem raízes sadias e bem profundas.


2 comentários:

  1. Belíssima dissertação.
    Mal te conheço, mas reconheço poder afirmar que és uma pessoa muito especial.
    Estou grata por te ter encontrado.
    Agora, só desejaria uma foto da sacada com plantas.
    Fica bem e vai fundo.
    Beijo da Nina

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  2. Muito bom, boa analogia e boa resposta às perguntas existenciais da humanidade.... de onde vim, para onde vou, o que estou fazendo aqui.... Não sei, mais creio que a resposta é uma só, o aprimoramento, difícil, demorado, diuturno, duradouro, que só se consegue com muito labor, perseverança e lágrimas. Só espero que no final de tudo a luz branca se torne a lembrança da casa deixada, que a passagem seja tênue em função do labor realizado e que tudo se torne amor infinito, acho que só assim conseguiremos entender o verdadeiro sentido desta passagem terrena que nos remete a tantas perguntas, tantas indagações, tantos devaneios.
    Abraço.

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